Todos, na condição de seres humanos, sem distinção de gênero, raça, etnia, classe, idade, religião, dentre outros aspectos, somos iguais perante a lei e sujeitos portadores de direitos, devendo tê-los garantidos.
Entretanto, cotidianamente se tem notícias de violações a esses direitos, o que suscita inquietações sobre quem realmente tem direito aos direitos humanos.
As mulheres, por exemplo, ao longo dos séculos têm sido privadas de exercerem plenamente seus direitos humanos, sendo submetidas a diversas condições (como abusos e violências).
Neste momento, objeto deste artigo, é particularizar os direitos humanos da mulher como ferramenta de combate à violência.
UM BREVE HISTÓRICO[1]
- 1928 – Criação do primeiro órgão intergovernamental para tratar dos direitos das mulheres, a Comissão Interamericana sobre as Mulheres (CIM).
- 1948 – Convenção Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher; no Brasil, que concede às mulheres os mesmos direitos civis dos homens, sendo promulgada em 1952;
- 1953 – Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, que determina direitos políticos em igualdade de condições para homens e mulheres, no Brasil somente tem sua promulgação em 1963;
- Convenções da Organização Internacional do Trabalho – dispuseram sobre igualdade de remuneração (1951), sobre amparo materno (1952), sobre discriminações no mercado de trabalho (1958); sobre a extensão da responsabilidade sobre a família ao homem (1981); sobre o trabalho noturno (1990);
- 1975 – I Conferência Mundial sobre a Mulher, na Cidade do México, (declarado o Ano Internacional da Mulher e instituído a Década da Mulher, de 1975 a 1985), realizada de maneira a dar maior visibilidade internacional à questão da mulher.
- 1984 – O principal instrumento internacional de proteção dos direitos humanos das mulheres é criado sobre a denominação de Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, de 1979, ratificado pelo Brasil em 1984, que dispõe amplamente sobre os direitos humanos das mulheres, tendo como principais parâmetros a eliminação da discriminação e a garantia da igualdade, e que institui, por fim, o Comitê CEDAW (Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher).
- 1985 – a III Conferência Mundial Sobre a Mulher, em Nairóbi, evento descrito como o nascimento do feminismo global, espaço em que o Fundo Voluntário para a Década da Mulher foi convertido em Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM);
- 1995 – IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, foi o reconhecimento da necessidade de mudar o foco da mulher para o conceito de gênero. Essa mudança representou uma reafirmação de que os direitos das mulheres são direitos humanos e que a igualdade de gênero era uma questão de interesse universal, beneficiando a todos (ONU, 2000).
- 2000 – Declaração do Milênio, contendo assuntos de gênero. Foram estabelecidas Oito Metas do Milênio, dentre elas a promoção da igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres. No mesmo ano, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1325, sobre mulheres, paz e segurança.
- 2010 – Assembleia Geral da ONU criou a ONU Mulheres, unindo esforços mundiais, com o intuito de defender os direitos das mulheres, baseando-se em seis áreas de atuação: liderança e participação política das mulheres; empoderamento econômico; fim da violência contra mulheres e meninas; paz e segurança e emergências humanitárias; governança e planejamento; normas globais e regionais.
No Brasil, a legislação avançou significativamente no reconhecimento e na proteção dos direitos das mulheres, buscando não apenas coibir a violência e a discriminação, mas também promover a igualdade de gênero. Entre as principais leis e medidas que destacam esse compromisso, podemos citar:
- Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): Esta lei é um marco na luta contra a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela estabelece medidas de proteção às mulheres, incluindo a criação de varas especializadas e mecanismos para prevenir e coibir a violência, dessa maneira, dentre os aspectos positivos da “Lei Maria da Penha”, um dos mais relevantes foi tipificar e definir a violência doméstica e familiar contra a mulher como crime.
- Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015): Reforça o combate à violência contra a mulher ao classificar o feminicídio como homicídio qualificado, uma modalidade de crime hediondo, quando a morte da mulher ocorre em contexto de violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação de gênero. Esse crime abranda penas mais altas, de 12 a 30 anos na legislação brasileira.
- Lei nº 12.015/2009: Esta lei atualizou o Código Penal Brasileiro no tocante aos crimes sexuais, ampliando a proteção às mulheres ao considerar uma gama mais ampla de atos como estupro, além de outras formas de violência sexual, o que a torna uma lei importantíssima na defesa das mulheres
- Decreto nº 7.958/2013: Estabelece diretrizes nacionais para o atendimento às vítimas de violência sexual, garantindo um atendimento humanizado e integral por parte da segurança pública e do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, ela estabelece orientações quanto à humanização do atendimento e ao registro de informações e coleta de vestígios.
- Emenda Constitucional nº 72/2013 e sua Lei Complementar: Esta emenda, conhecida como a “PEC das Domésticas”, ampliou os direitos trabalhistas das empregadas domésticas, aproximando-os aos dos demais trabalhadores, como direito ao FGTS, jornada de trabalho regulamentada, entre outros. Sendo assim, durante muitos anos, as empregadas domésticas, majoritariamente mulheres negras, realizavam o seu labor sem qualquer regulamentação ou previsão legal que os amparasse, com essa lei obteve-se uma regulamentação nessa relação trabalhista.
- Rede Cegonha: Um programa do governo federal que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, além de garantir a criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis.
- Lei n° 14.542/2023: Garante prioridade no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine). De acordo com a lei, as mulheres em situação de violência doméstica e familiar terão prioridade no atendimento pelo Sine, às quais serão reservadas 10% (dez por cento) das vagas ofertadas para intermediação.
COMO PODEMOS ACESSAR NOSSOS DIREITOS?
Se você ou alguém que conheça está enfrentando uma situação de violação de direitos, é crucial saber como buscar ajuda e proteção:
- Denúncia: Em casos de violência, a denúncia pode ser feita em qualquer delegacia, preferencialmente nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), mas também pelo Disque 180, que garante anonimato e funciona 24 horas.
- Proteção e assistência: Após a denúncia, é possível solicitar medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, que podem afastar o agressor do lar ou proibi-lo de se aproximar da vítima e dos familiares.
- Assistência Jurídica gratuita: Mulheres em situação de violência podem buscar assistência jurídica gratuita nos Núcleos de Defensoria Pública, que oferecem suporte para o encaminhamento de processos judiciais relacionados à violência doméstica e outras violações de direitos.
- Casas-abrigo: Mulheres vítimas de violência em risco de morte iminente podem se instalar temporariamente em endereços sigilosos. Além da proteção, as casas abrigo oferecem atendimento de saúde, encaminhamento para serviços de capacitação para geração de renda e para orientação e acompanhamento jurídico.
- Apoio psicossocial: Além do suporte legal, é importante buscar apoio psicológico e social, disponível em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ou Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).
Lembrando que, além desses passos, diversas organizações não governamentais e movimentos sociais oferecem suporte e orientação às mulheres em situação de vulnerabilidade. Informar-se e buscar ajuda é o primeiro passo para interromper o ciclo de violência e garantir a proteção dos direitos das mulheres.
MOMENTO ATUAL
Em 2019, o mundo é surpreendido SARS-CoV-2 – uma infecção respiratória aguda ocasionada pelo novo coronavírus.
No Brasil a partir de março de 2020, a infecção de elevado grau de transmissibilidade e, potencialmente grave, apresenta-se como um desafio as autoridades sanitárias que propõe várias medidas de contenção à disseminação e contágio em massa da doença poderia ser feito por meio do isolamento e distanciamento social, evitando o convívio coletivo e, consequentemente, a proliferação exacerbada da doença.
Foi diante dessa pluralidade de privações causadas pelo isolamento social, que diversas vítimas tiveram seus relacionamentos conjugais/afetivos/familiares vigorosamente afetados.
Mulheres que anteriormente já eram suscetíveis à violência doméstica, se viram em uma situação de vulnerabilidade, tendo em vista a necessidade de se isolar em uma residência com seu parceiro (a) / familiar agressor, o que precarizou o acesso aos meios de denúncias e o aparato de medidas protetivas disponibilizadas pelo Estado para o combate à violência doméstica e familiar.
A aproximação, as desigualdades de gênero e sociais, causadas pela dependência financeira e a liberdade restrita, foram o ápice para o aumento de casos de violência doméstica e familiar e, consequentemente de feminicídio, durante a reclusão social em tempos pandêmicos.
Os mecanismos de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher existentes no ordenamento jurídico brasileiro respaldam e auxiliam na garantia dos direitos inerentes às diversas vítimas e aplicam sanções penais severas ao agressor.
No Brasil, existem leis e medidas para combater a violência contra as mulheres. Estas leis protegem as vítimas e punem os agressores com penas severas. Com o tempo, essas medidas se tornaram mais fortes, tentando diminuir os danos causados pela violência contra as mulheres.
Apesar dessas leis, a violência continua acontecendo, em parte por causa de uma cultura que ainda vê as mulheres como inferiores e objetos. Mas, com o aumento da conscientização e a luta por direitos, combater essa violência se tornou uma prioridade social.
Para enfrentar a violência doméstica contra as mulheres, o Estado brasileiro mobiliza uma combinação de leis e políticas públicas. Essa abordagem busca não apenas punir os agressores, mas também prevenir novos casos de violência, mostrando que a luta contra esse problema é um esforço de toda a sociedade.
Para dar uma dimensão da situação[2]:
- 35 mulheres foram agredidas física ou verbalmente por minuto no Brasil em 2022;
- 28,9% (18,6 milhões) das mulheres relataram ter sido vítimas de algum tipo de violência ou agressão, o maior percentual da série histórica do levantamento.
- 14 mulheres foram agredidas com tapas, socos ou chutes por minuto.
- Quase 6 milhões sofreram ofensas sexuais ou tentativas forçadas de manter relações sexuais.
- Quase 51 mil mulheres sofreram violência diariamente em 2022, o que equivale a um estádio de futebol lotado.
- 4 vezes é o número em média de agressões sofridas no período. Entre as mulheres divorciadas, a média é de 9 agressões.
- 45% das mulheres vítimas de violência não fizeram nada após sofrer o episódio mais grave.
Perfil das mulheres vítimas
- 65,6% negras
- 30,3% têm entre 16 e 34 anos
- Mais de 50% moram em cidades do interior
Perfil dos autores
- 27,6 milhões de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais relataram terem sido vítimas de violência provocada por parceiro íntimo ao longo dos anos.
- Mais de 31% afirmaram que o responsável pela violência mais grave sofrida nos últimos 12 meses foram seus ex-cônjuges, ex-companheiros ou ex-namorados.
- 65,2% acreditam que a violência de gênero aumentou nos últimos 12 meses. Essa percepção é mais elevada entre as mulheres: para 70% delas, a violência aumentou no período.
- 52% presenciaram, no mesmo período, alguma situação violenta envolvendo mulheres.
- Ações consideradas muito importantes para o enfrentamento à violência doméstica.
- 76,5% das mulheres consideram atribuir uma punição mais severa para o agressor como uma ação muito importante.
- 72,4% consideram ter alguém para conversar, como um psicólogo ou outro especialista em saúde mental.
- 69,4% consideram o suporte legal e serviços que orientam a mulher.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão contínua sobre os direitos humanos é fundamental para preservar as conquistas alcançadas e buscar avanços adicionais. É importante reconhecer que os direitos humanos são o resultado de lutas sociais persistentes e estão sujeitos a desafios e retrocessos. No entanto, é através do compromisso e da ação que a sociedade pode garantir um ambiente mais justo e igualitário para todos.
O Instituto Nelson Wilians desempenha um papel significativo nesse cenário, implementando projetos voltados para a promoção da igualdade social, incluindo a igualdade de gênero. Por meio de programas educacionais e iniciativas jurídicas, o Instituto busca democratizar oportunidades no Brasil, capacitando indivíduos e comunidades para que possam alcançar seu pleno potencial.
Apesar dos desafios atuais, é crucial a manutenção do compromisso de todos com os direitos humanos e a igualdade social.
Envolver todos nesta causa, seja apoiando organizações como o Instituto Nelson Wilians, seja promovendo a conscientização e a ação em suas próprias comunidades.
É na união de todos que há a construção de um futuro em que todos sejam tratados com dignidade e respeito, independentemente de sua origem ou identidade.
[1] IX Jornada Internacional de políticas públicas – 20 a 23 agosto/2019 – Maranhão VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E OS DIREITOS HUMANOS- Elainny Albino da Silva; Viviane Braga de Oliveira; – acesso em 31/01/2024 – chrome- extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2019/images/trabalhos/trabalho_submissaoId_1060_10605cc7b664d2e72.pdf
[2] Esses são dados da quarta edição da pesquisa Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, realizada pelo DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em março de 2023.- acesso em 04/02/2024 – https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/visivel-e-invisivel-a-vitimizacao-de-mulheres-no-brasil-4a-edicao-datafolha-fbsp-2023/