A Educação é um direito fundamental consagrado na Constituição Federal, destacando-se como um poderoso instrumento de transformação social na sociedade brasileira.
A Constituição, em seu Art. 6º, estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. No entanto, apesar dessa clara previsão legal desde 1988, o analfabetismo ainda persiste no Brasil. Embora tenhamos observado uma redução de 6,1% em 2019 para 5,6% em 2022, mais de 9 milhões de brasileiros com 15 anos de idade ou mais permanecem incapazes de ler e escrever.
Do total de analfabetos 55,3% vivem no Nordeste e 7,4% são pessoas pretas ou pardas, ou seja, o analfabetismo segue em trajetória de queda, mas mantém uma característica estrutural. Tais dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua: Educação 2022, divulgada pelo IBGE¹.
A taxa de analfabetismo é uma das metas do atual Plano Nacional de Educação (PNE), que tem vigência até 2024, ano em que se objetiva a erradicação do analfabetismo. Pauta essa que deve e precisa ser prioridade do Governo Brasileiro, pois a educação é um importante instrumento transformador, senão o principal, uma vez que sua função primordial é permitir a renovação da sociedade, assumindo um papel de movimento contínuo de mudanças na sua estrutura e consentindo uma reflexão sobre si mesma e consequente tomada de decisões importantes a respeito do seu futuro².
A Educação é vista como um instrumento de transformação pois oferece ao seu aprendiz a oportunidade de se tornar alguém com olhar para: “criticar, discutir, oportunizar, negar, aceitar, verbalizar, neutralizar, constranger, moralizar, banalizar, potencializar e errar“³
Leis e projetos que visam sanar as deficiências da educação brasileira e até erradicar o analfabetismo não faltam. Contudo, falta efetivação séria, que de fato minimize a distância entre o texto legal e o real. É sabido que o processo é lento, pois se trata de algo a longo prazo, mas que precisa ser priorizado.
A falta de estrutura física adequada das escolas, de recursos materiais e pedagógicos, bem como a falta de valorização dos professores, dificulta ainda mais o acesso à educação de qualidade para pessoas inseridas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Essas condições, entre tantas outras, impedem que o Brasil suplante a herança de uma educação deficiente e excludente para que enfim possa escrever uma nova história de uma educação libertadora, gratuita, universal, democrática e de qualidade.
O ambiente de processo ensino-aprendizagem é que possibilita ao indivíduo novas descobertas, que abre horizontes para novas ideias e que expande novos conceitos. A educação é libertadora, é o principal instrumento de transformação – tanto pessoal quanto da sociedade -, e de emancipação, criando condições para que cada indivíduo possa viver livremente, e assim passar a ser capaz de desenvolver todas as suas potencialidades.
A melhor maneira de observar a importância da Educação é considerar que, em diferentes sociedades, com distintos projetos de nação e ideologias, a educação sempre desempenha um papel central, sendo sempre um pilar da sociedade.
Apesar de sua importância, no Brasil, a educação nem sempre foi um direito…
A história do Brasil é marcada pela exploração, violência e desrespeito às diferenças culturais e privilégios de alguns em detrimento da grande maioria da população. A universalização do acesso à educação e até mesmo o reconhecimento da educação como direito fundamental, aconteceu no Brasil através de muita luta e de forma tardia, o que também ajuda a explicar o porquê de ainda termos tanto a avançar.
A história da educação, com características mais formais, no Brasil, inicia-se no período colonial, quando começam as primeiras relações entre Estado e educação, através dos jesuítas. Neste contexto, a educação tinha como objetivo transformar os povos originários em mão de obra para Portugal e aumentar o poder e influência da Igreja. No entanto, aos poucos, também foi se configurando como instrumento de formação de uma elite colonial.
Os Jesuítas eram responsáveis por toda educação, dos filhos dos senhores de engenho aos nativos, sendo para os últimos apresentados apenas conhecimentos de interesse da Igreja. Em 1759, Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, após conflito com os jesuítas, os expulsou de todas as colônias portuguesas. A educação brasileira teve uma grande ruptura, pois a reforma pombalina tinha um objetivo claro, que a escola deveria ser útil aos interesses do governo. O Estado passou a assumir os encargos da educação e o ensino brasileiro.⁴
Com a chegada da família real ao Brasil, houve um desenvolvimento considerável, mas restrito à classe dominante. É somente em 1824, após a outorga da primeira constituição brasileira, que a educação primária gratuita passa a ser considerada um direito a todos os cidadãos. Entretanto, herda-se da monarquia uma dualidade do sistema educacional que conferia a elite uma educação bem mais dedicada e extensa do que a conferida aos pobres.
O sistema federativo de governo, estabelecido pela Constituição da República de 1891, ao consagrar a descentralização do ensino, acabou construindo um sistema educacional pouco democrático, que privilegiava o ensino secundário e superior – responsabilidade da União –, em detrimento da expansão do ensino primário – que deve ser reservado aos estados.
A descentralização que conferia maior poder aos estados podia representar, no plano das ideias, mudanças satisfatórias e significativas. Mas, na realidade, representou o descaso e o abandono dos estados mais pobres, que se viam cada vez mais à mercê da própria sorte
Com a Revolução de 1930, sob a ambientação ideológica houve importantes discussões e transformações no campo da Educação. O decreto-lei 19850/1931 criou o Ministério da Educação e as secretarias estaduais de educação e em 1932 com o ideal da educação obrigatória, gratuita e laica surgiu Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que requeria a ação do Estado para assegurar de forma igual à todas as camadas sociais o acesso a educação através das escolas públicas.
Em 1934, fruto das lutas dos movimentos sociais da Educação, a constituição brasileira passa a contar com um capítulo exclusivo sobre educação e as atribuições do governo federal. Entretanto na Constituição de 1937, sob a égide do Estado Novo, as conquistas do movimento renovador foram consideravelmente enfraquecidas e algumas antes expressas na Constituição de 34 foram excluídas na de 1937. Institucionaliza-se uma concepção de educação que não priorizava a formação crítica, mas sim a profissionalizante.
Com o fim do Estado Novo, a Constituição de 1946, reestabelece alguns direitos garantidos pela Constituição de 1934 e a educação como direito de todos está claramente expressa em seu art. 166. Contudo, apesar da mudança de regime e da nova constituição, a legislação educacional herdada do Estado Novo vigorou até 1961, quando teve início a vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Até a aprovação da LDBEN de 1961, foram 13 anos (1948-1961). Durante esse período, a luta pela escola pública e gratuita intensificou-se. Numerosas campanhas com participação popular reivindicavam a ampliação e a melhoria do atendimento escolar para que, de fato, o direito constitucional “a educação é um direito de todos”, fosse consolidado.
O ensino técnico oferecido para as classes populares delineou muito bem a sua função na sociedade: atender exclusivamente as necessidades do mercado, o que frearia as manifestações políticas, contribuindo para que o ensino superior continuasse reservado às elites.
É com a Constituição Federal de 1988 que o Brasil consegue dar seu maior avanço na formalização e garantia da educação como direito universal, tendo como previsão no texto constitucional:
- A gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
- Ensino Fundamental obrigatório e gratuito;
- Atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos;
- Valorização dos profissionais de ensino, com planos de carreira para o magistério público.
Além disso, com base na nova Constituição, foi criada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei nº 9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996. Junto da Constituição Federal, a LDB forneceu suportes legais para que o direito a uma educação de qualidade seja realmente consubstanciado, assegurando a formação integral do indivíduo e a sua inserção consciente, crítica e cidadã na sociedade.
Considerações finais
O panorama histórico da educação enquanto direito no Brasil nos mostra a importância crucial da educação como um dos pilares fundamentais para a transformação e justiça social no Brasil. A história do nosso país demonstra que, apesar das adversidades e desigualdades persistentes, a educação tem desempenhado um papel fundamental na evolução da sociedade. Da exploração colonial ao reconhecimento tardio da educação como um direito universal, passamos por um longo percurso, marcado por avanços e retrocessos. No entanto, as conquistas recentes, como a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, oferecem uma base sólida para a construção de um sistema educacional mais inclusivo e igualitário.
É vital que o compromisso com a educação continue sendo uma prioridade no Brasil. Erradicar o analfabetismo e promover a educação de qualidade para todos os cidadãos não é apenas uma meta, mas um imperativo moral e social. Para alcançar esse objetivo, é necessário um esforço conjunto da sociedade, do governo, das instituições educacionais e das organizações sociais. Juntos, conseguiremos garantir que a educação seja verdadeiramente acessível a todos, independentemente de sua origem ou condição socioeconômica.
Não há dúvidas de que a educação é o alicerce sobre o qual construímos um futuro mais justo e igualitário para o Brasil. Ela é a chave para a transformação pessoal e social, capacitando os indivíduos a alcançarem seu pleno potencial e contribuírem positivamente para a sociedade. Continuemos a lutar por uma educação de qualidade, defendendo seus princípios como um direito inalienável de todos os brasileiros. Somente assim poderemos superar as desigualdades históricas e construir um país mais justo, inclusivo e próspero para esta e para as gerações futuras. Como afirma o educador Paulo Freire, “a educação como intervenção inspira mudanças radicais na sociedade, na economia, nas relações humanas e na busca de direitos, ou seja, uma sociedade sem educação não evolui.”
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[1] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37089-em-2022-analfabetismo-cai-mas-continua-mais-alto-entre-idosos-pretos-e-pardos-e-no-nordeste#:~:text=A%20taxa%20de%20analfabetismo%20recuou,%2C8%25%20para%20o%20Sudeste. – acesso em 05 de outubro de 2023.
[2] http://www.cead.ufjf.br/2021/04/30/a-educacao-como-um-mecanismo-transformador-da-sociedade/ – acesso em 05 de outubro de 2023.
[3] https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/-o-professor-agente-transformador.htm – acesso em 29 de setembro de 2023.
[4] BELLO, Luiz de Paiva. História da Educação no Brasil.
Referências bibliográficas
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Brasil no Século XX: o desafio da educação. História da Educação. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
SOUZA, José. Educação e história da educação no Brasil. Educação Pública, 2021.