Inclusão produtiva como justiça social na prática: trabalho, autonomia e cidadania nos territórios

A realidade brasileira é marcada por desigualdades históricas que atravessam dimensões como renda, raça, gênero e território. Essas desigualdades não surgem por acaso, pois resultam de uma organização social que concentra oportunidades em grupos privilegiados e nega o acesso à maioria da população. Esse quadro se agrava para quem vive em periferias urbanas e zonas rurais negligenciadas. Diante disso, pensar a inclusão produtiva como um eixo estratégico de justiça social representa um passo essencial para construir um país mais justo, inclusivo e solidário.

O que é inclusão produtiva

A inclusão produtiva pode ser compreendida como um conjunto de ações que cria condições reais para que pessoas em situação de vulnerabilidade social acessem oportunidades dignas de trabalho e geração de renda. No entanto, o conceito vai além da simples inserção no mercado formal. Ele envolve o fortalecimento da autonomia, o reconhecimento de saberes e práticas locais e a promoção do protagonismo. Em outras palavras, trata-se de uma ferramenta com potencial pedagógico, jurídico e cultural. A inclusão produtiva educa para a cidadania, amplia o acesso a direitos e valoriza trajetórias de vida historicamente invisibilizadas.

Trabalho como espaço de liberdade e dignidade

O economista Amartya Sen defende que o desenvolvimento deve ser medido não apenas por indicadores econômicos, mas pela ampliação das liberdades reais das pessoas. Essa visão convida a sociedade a repensar o papel do trabalho. Trabalhar não deve ser apenas uma necessidade para garantir a subsistência, mas também uma forma de pertencer, realizar-se e transformar a realidade ao redor. Quando construímos a inclusão produtiva com escuta ativa e diálogo com as comunidades, criamos uma ponte entre a exclusão social e a dignidade.

Inclusão produtiva a partir do território

Diversas experiências no Brasil demonstram que políticas públicas e programas sociais funcionam melhor quando respeitam o contexto local, valorizam a cultura do território e reconhecem os saberes comunitários. Um exemplo relevante é o programa Potencialize, desenvolvido pelo Instituto Nelson Wilians (INW). A proposta atua em três eixos integrados: educação em direitos, empoderamento e articulação comunitária. A partir dessa estrutura, o programa fortalece lideranças locais, amplia o conhecimento sobre direitos fundamentais e estimula práticas econômicas sustentáveis.

A importância da educação em direitos

O eixo de educação em direitos do Potencialize tem um papel fundamental ao promover formações acessíveis, com linguagem clara e direta. Esse processo permite que pessoas das comunidades compreendam e exerçam seus direitos constitucionais, com destaque para os direitos trabalhistas, previdenciários, de gênero e raciais. Além disso, o acesso à informação jurídica transforma realidades. Ele empodera especialmente mulheres negras, moradoras de periferia, que passam a entender que podem formalizar seus pequenos negócios, acessar crédito ou denunciar situações de violência e exploração.

Fortalecimento da identidade produtiva

O eixo de empoderamento atua para reconhecer e valorizar as experiências locais. Em muitos casos, pessoas em situação de vulnerabilidade já exercem atividades econômicas como culinária, costura, artesanato ou cuidados pessoais. Apesar disso, elas não se enxergam como empreendedoras. Nesse sentido, o Potencialize promove oficinas, mentorias e espaços de troca que fortalecem essa identidade produtiva e impulsionam a profissionalização e a autoestima.

Redes comunitárias como sustentação das mudanças

O eixo de articulação comunitária foca na criação e fortalecimento de redes de apoio nos territórios. O programa incentiva as lideranças formadas a atuarem como multiplicadoras, promovendo conexões com organizações locais, poder público e empresas. Essa articulação fortalece os laços comunitários e garante a continuidade das ações, mesmo após o encerramento das atividades formais. Assim, amplia-se o impacto e a sustentabilidade das iniciativas.

Escuta ativa e realismo como base da transformação

Para que a inclusão produtiva funcione como uma estratégia real de justiça social, é necessário partir da realidade concreta de cada território. Por isso, não é eficaz oferecer um curso de panificação em uma comunidade que não tem acesso regular a gás de cozinha. Da mesma forma, propor microcrédito para mulheres sem documentação regularizada tende a gerar frustração. A escuta qualificada e o diagnóstico participativo tornam-se, portanto, fundamentais para a construção de políticas públicas transformadoras.

Autonomia e cidadania em rede

A construção da autonomia territorial exige a integração entre diversas dimensões: trabalho, educação, cultura, justiça e saúde. Esses elementos, quando bem articulados, produzem não apenas inclusão produtiva, mas também inclusão cidadã. Desse modo, o trabalho do Instituto Nelson Wilians e do programa Potencialize oferece um caminho concreto para enfrentar desigualdades por meio de soluções sustentáveis, construídas a partir da realidade de cada comunidade.

A inclusão produtiva, quando pensada como projeto de justiça social, representa mais do que uma ação pontual. Trata-se de uma estratégia de transformação estrutural. Ela reconhece pessoas como sujeitos de direitos, valoriza os territórios como espaços de potência e constrói pontes entre o presente de exclusão e um futuro de dignidade. Para que essa transformação aconteça, é necessário um compromisso coletivo: do Estado, da sociedade civil, do setor privado e, sobretudo, das próprias comunidades.