Escutar é proteger: o que o ECA nos ensina
A proteção integral às infâncias e adolescências, consolidada pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), representa uma mudança decisiva no modo como o Brasil compreende os direitos de crianças e adolescentes. Esses sujeitos de direitos devem ser ouvidos e respeitados em todas as decisões que os afetam.
O artigo 100 do ECA reforça a importância da escuta qualificada como prática obrigatória em qualquer medida protetiva. Em outras palavras, escutar é mais do que ouvir: é reconhecer o protagonismo infantojuvenil como valor ético, legal e político.
Escuta qualificada: prática essencial
A escuta qualificada não é apenas um protocolo jurídico. Na verdade, como destaca a pesquisadora Irene Rizzini, trata-se de romper com o silenciamento histórico, especialmente de adolescentes negros e periféricos. Quando escutamos com atenção e empatia, fortalecemos vínculos, construímos confiança institucional e reafirmamos a cidadania de forma concreta.
Entretanto, a realidade ainda está distante dessa prática. Dados do UNICEF (2023) revelam que 37% dos adolescentes entre 15 e 17 anos desconhecem os canais formais para denunciar situações de violência ou abuso.
Informação acessível: um direito fundamental
O direito à informação, garantido pela Constituição e reforçado pelo ECA, é indissociável da proteção integral. Afinal, se adolescentes não compreendem seus direitos, eles não conseguem exercê-los. É por isso que a linguagem acessível, o uso de materiais adequados e a mediação cultural são tão importantes.
Experiências como as do Instituto Alana e da ANDI mostram como traduzir o “juridiquês” em conteúdos claros e empáticos pode gerar impacto real.
Obstáculos à escuta nos serviços de proteção
Apesar disso, muitos Conselhos Tutelares e unidades socioeducativas enfrentam sérias limitações. O Atlas da Violência (Ipea, 2022) mostra que 30% dos conselhos funcionam em condições precárias, o que compromete a confidencialidade e a escuta digna. Além disso, adolescentes em conflito com a lei ainda vivenciam superlotação e negligência, ferindo o que prevê o SINASE.
A escola como espaço de escuta e proteção
Programas como o Escola que Protege, do MEC, já formaram mais de 90 mil professores para atuarem na identificação de violências. Mesmo assim, dados do Cetic.br (2022) mostram que menos da metade dos adolescentes foram orientados em suas escolas sobre como agir diante de situações de violência online.
Portanto, a escola precisa ser um espaço seguro, de confiança, protagonismo e diálogo.
Lições internacionais: exemplos que inspiram
Modelos como os da Suécia e Noruega mostram que é possível institucionalizar a escuta infantojuvenil em conselhos escolares, fóruns locais e plataformas digitais. Nesses países, a participação das juventudes molda políticas públicas reais e eficazes.
Um chamado ao compromisso ético
O Brasil ainda precisa superar heranças autoritárias que veem a escuta juvenil como algo simbólico. O princípio da prioridade absoluta exige ações práticas, orçamento adequado e formação permanente dos profissionais da rede de proteção.
Por isso, reafirmar a escuta e o acesso à informação como pilares da proteção integral é fortalecer nossa democracia. Informar, ouvir e acolher não são apenas deveres legais, mas compromissos civilizatórios.
