Por Tarcisia Emanuela, mestranda em Antropologia Social e Analista de Projetos Sociais do INW.
No dia 25 de julho de 1992 reuniram-se em Santo Domingo, República Dominicana, mulheres representantes de 32 países da região latino-americana para o “I Encontro de mulheres negras, latino-americanas e caribenhas”.
Um dos objetivos do evento era colocar em pauta as desigualdades de gênero e raça a partir das especificidades sociais, econômicas e políticas do “terceiro mundo”.
Na década de 1980 na América Latina, a discriminação e a desigualdade por raça, gênero e outras categorias foram debates articulados nos diferentes cenários internacionais.
O movimento contemporâneo de mulheres negras brasileiras que emergiu no final da década de 70, representados em sua grande maioria por organizações da sociedade civil, gestadas e geridas por coletivos e comunidades de mulheres negras, construiu uma longa trajetória transnacional através da participação nas principais conferências mundiais da mulher realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Para ressaltarmos a importância dessa data vamos relembrar um pouco do histórico de construção dos direitos das mulheres a partir das conferências que compõem o cenário internacional.
O ano de 1975 foi considerado como o “Ano Internacional da Mulher”, marcado pela realização da “I Conferência Mundial de Mulher” organizada pela ONU no México. A conferência teve como lema “Igualdade, Desenvolvimento e Paz”. Nesse momento, o debate sobre a ampliação dos direitos humanos se voltava para a necessidade de se combater a discriminação contra a mulher ou qualquer forma de discriminação por razões de gênero. Foi aprovado um plano de ação para o decênio de 1976-1985 que ficou conhecido como “A Década Internacional da Mulher”, estabelecendo diretrizes para que os governos da comunidade internacional se comprometessem em atuar positivamente para o desenvolvimento de mulheres a fim de colaborar para a paz mundial.
Na ocasião desta conferência também aconteceu o Fórum de Organizações Não-Governamentais que contou com a presença de 4.000 ativistas, no qual consolidou a agenda para as próximas conferências. Uma outra ação realizada no Fórum, foi a criação do “Fundo de Contribuições Voluntárias das Nações Unidas para a Década da Mulher” que posteriormente, em 1985, se tornou o “Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM)”.
Passados 5 anos após a primeira conferência, no ano de 1980 em Copenhague, ocorreu a “II Conferência Mundial da Mulher” sob o lema “Educação, Emprego e Saúde”. Um dos objetivos era fazer um balanço dos resultados das diretrizes deliberadas no encontro anterior.
A partir dos relatórios de avaliação das metas foi perceptível a falta de comprometimento de investimento por parte de governos, no que diz respeito ao desenvolvimento da mulher, colocando desafios para todos os países envolvidos desenvolverem suas estratégias de ação. Neste momento o debate sobre direito à propriedade, à herança, família e nacionalidade passaram a ser reforçados a partir da pressão exercida pelas organizações da sociedade civil para que os direitos das mulheres não fossem negligenciados.
Foi colocado também a importância de igualdade no tocante à participação das mulheres em lugares estratégicos para a tomada de decisão na vida pública. A necessidade era promover o acesso igualitário à educação, mercado de trabalho e saúde.
Antes de dar continuidade no histórico das conferências, é importante ressaltar que esse contexto favoreceu a participação de mulheres na agenda política nacional, levando em consideração o processo de redemocratização que o Brasil vivenciava nesse momento, ter o apoio internacional para levar adiante pautas de inclusão como o direito da mulher foi fundamental.
A exemplo, em 1980 tivemos a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina do Estado de São Paulo, primeiro órgão do governo destinado a atuar pelos direitos das mulheres. Entre as participantes do Conselho estavam duas mulheres negras, Thereza Santos e Sueli Carneiro, que em 1988 fundaram o “Geledés – Instituto da Mulher Negra”.
A “III Conferência Mundial Sobre a Mulher” aconteceu no ano de 1985 em Nairóbi. O tema da conferência foi “Estratégias Orientadas ao Futuro, para o Desenvolvimento da Mulher até o Ano 2000” que foram deliberadas a partir da avaliação do decênio que marcou a década da mulher. Nesse momento, avaliar as metas era jogar luz sobre os avanços e desafios para a garantia dos direitos das mulheres. Na ocasião desta conferência, Sueli Carneiro, Thereza Santos e Albertina Costa foram as responsáveis por representar o Brasil levando um diagnóstico da condição de vida das mulheres brasileiras.
Em 1995, aconteceu em Beijing a “IV Conferência Mundial da Mulher” levando como tema central “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”. Esta conferência em especial, ficou reconhecida por três marcos históricos, o primeiro deles foi a afirmação do direito das mulheres como direitos humanos, o que reforçou o elo de comprometimento para a garantia destes.
O segundo marco foi a definição e foco no conceito de “gênero”, enquanto uma categoria que pudesse ampliar o olhar das desigualdades enfrentadas pelas mulheres promovendo os direitos das mulheres ao status de direitos invioláveis e de interesse universal. Nesse momento, também emergiu a importância de fomentar o empoderamento das mulheres a partir da criação de políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero e foram estabelecidas 12 áreas de preocupação sobre os direitos das mulheres e meninas, que são eles: mulheres e pobreza, educação e capacitação de mulheres, mulheres e saúde, violência contra a mulher, mulheres e conflitos armados, mulheres e economia, mulher no poder e na liderança, mecanismos institucionais para o avanço das mulheres, direitos humanos das mulheres, mulheres e a mídia, mulheres e meio ambiente e direitos das meninas.
O terceiro marco da 4ª conferência foi a inclusão da temática racial na Declaração final da Plataforma de Ação de Beijing. Esse marco acontece a partir da influência e participação do movimento de mulheres negras brasileiras que tiveram protagonismo na realização de diagnósticos que apresentaram as condições das mulheres no Brasil, levando em consideração a desigualdade e o preconceito racial enfrentado por mulheres negras, latinas e caribenhas.
As organizações de mulheres negras, deixam um legado de participação política, levando para espaços deliberativos nacionais e internacionais a importância de ampliar a categoria “mulher”, compreendendo que dentro desta existem diversidades que precisam ser incluídas em suas especificidades para que haja efetividade no plano de desenvolvimento internacional. Elas tiveram maestria em apresentar a importância de debater os tipos de violências, considerando o contexto doméstico, a mortalidade materna e em especial a saúde reprodutiva.
A trajetória de mulheres negras brasileiras na luta por direitos humanos vem desde o século XX colaborando para o desenvolvimento sustentável da nossa sociedade, pois elas fizeram parte de momentos estratégicos onde pleiteamos direitos e equidade na educação, saúde, mercado de trabalho etc.
Sabemos que existem muitos desafios pela frente, no que diz respeito à garantia e efetivação de nossos direitos, porém, é importante reconhecer as realizações que tivemos até aqui e que impactam gerações inteiras. Por esses motivos comemoramos no dia 25 de julho o dia da mulher negra, latino-americana e caribenha.