Violência sexual: conhecer para combater

Por Ingryd Abrão, Diretora Operacional do Núcleo Espiral, e Lucas de Barros Labaki Agostinho, Coordenador do projeto Educando Para a Paz.

Dia 18 de maio foi escolhido como o Dia Nacional do Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma data com o objetivo de conscientizar a sociedade e autoridades sobre a gravidade da violência sexual. Foi criada para dar visibilidade ao crime contra Araceli Cabrera Sanches, de 8 anos de idade, que, em 1973, foi sequestrada, drogada, estuprada e morta por membros de uma família capixaba, que ficou impune.

Segundo relatório do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) referente ao balanço anual da violência no ano de 2019 em todo Brasil, 55% do total de denúncias atendidas pelo Disque 100 (Disque Direitos Humanos) foram referentes às crianças e adolescentes, sendo a violência sexual a quarta colocada no ranking de denúncia, com 11%, porém existe, ainda, muita subnotificação. Quanto ao local de ocorrência destas violências, 52% ocorrem na casa da vítima, 20% na casa do suspeito e 28% em outros lugares. Quanto aos agressores, 80% eram familiares da vítima.

Com a pandemia e a necessidade de isolamento, a situação torna-se ainda mais preocupante, pois acentuam-se os riscos de abuso e violência para crianças. O confinamento expõe estas a presença do agressor por mais tempo, sem que haja contato com redes de proteção. Além disso, a redução de ganhos da família por desligamento de trabalhos, pode empurrar crianças e adolescentes para o trabalho infantil e à exploração sexual.

A violência sexual tem como finalidade o prazer do adulto e pode ocorrer de duas formas: abuso sexual e exploração sexual. Normalmente o abusador comete a violência sexual se aproveitando da relação familiar, da proximidade social ou da vantagem etária e econômica. Já a exploração sexual é a forma de crime sexual contra crianças e adolescentes conseguido por meio de pagamento ou troca. A exploração sexual pode envolver, além do próprio agressor, o aliciador, intermediário que se beneficia comercialmente do abuso.

É importante salientar que o abuso sexual pode ou não envolver o contato físico e/ou o uso ou não da força física. O assédio do adulto com a criança normalmente acontece em etapas, através de um processo de sedução. Vale ressaltar que o abusador pode ser qualquer pessoa, geralmente é visto como simpático e leva uma vida normal, de modo que as crianças vítimas de abuso acreditam e confiam nele. Por isso, não é incomum que a pessoa “descubra” apenas mais velha que o que faziam com ela na infância ou adolescência era um abuso.

Normalmente, as crianças e adolescentes vítimas de violência possuem baixa autoestima e apresentam sentimento de culpa. Isto porque o abuso inclui, frequentemente, a violência psicológica, ou seja, rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito e punições exageradas. As vítimas dessa violência podem apresentar prejuízos em diferentes aspectos do seu desenvolvimento. Abaixo, trazemos alguns sintomas que as crianças e adolescentes podem manifestar:

  1. Sintomas emocionais: vergonha, humilhação, repulsa, ódio, timidez, culpa, constrangimento, medo, ansiedade, inferioridade e sensação de falta de valor;
  2. Sintomas interpessoais: medo da intimidade, erotização da proximidade, confusão de papéis e redução das habilidades de comunicação;
  3. Sintomas comportamentais: brincadeira sexualizada, temas sexuais em desenhos e histórias, comportamento regressivo, comportamento autodestrutivo e alterações de sono e alimentação;
  4. Sintomas cognitivos: baixa concentração e atenção, dissociação e refúgio na fantasia;
  5. Sintomas físicos: coceira e inflamação nas áreas genital e retal, traumas físicos, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez, distúrbios de sono.

A seguir, trazemos algumas dicas para ajudar quem sofreu esse tipo de violência: ouça o que ela diz, explique que ela não é culpada e que acreditam nela, conceda a oportunidade de conversar sobre o que aconteceu sem a pressionar, diga que está agindo certo ao contar para você e aceite as expressões das emoções – tristeza, irritação, raiva, medo, dor, vergonha, retraimento, choro etc.

Seguem também dicas de prevenção: preste atenção na criança e nas pessoas que fazem parte da vida dela – conheça o professor, treinador, cuidador, pais dos amigos, ou seja, todas as pessoas importantes para a criança; ensine a reconhecer o comportamento do aliciador e ser cautelosa com qualquer contato físico iniciado por um adulto ou criança mais velha; dê à criança permissão de dizer “não” e faça-a sentir-se segura de levar seus problemas e preocupações para pais ou educadores sem temer reprovação ou retaliação. É importante que a criança seja educada para que possa avaliar e diferenciar dinâmicas abusivas e injustas. Não podem entender que precisam aceitar tudo e obedecer cegamente, fazendo com que levem essa dinâmica para outras relações.

Todas as pessoas podem colaborar para o combate da violência sexual contra crianças e adolescentes, na minimização dos efeitos dessas violências e, mais do que isso, na sua prevenção, de modo observar e identificar seus sinais. Vale ressaltar que, segundo dados do Disque 100, houve uma subnotificação das denúncias de violência durante a pandemia, isto porque grande parte das denúncias eram feitas pela escola e Centros para Crianças e Adolescentes (CCAs), onde antes frequentavam. Este dado expõe a extrema importância dos educadores no combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes e, consequentemente, à violência sexual. A dificuldade de realização das denúncias, somada às falhas no atendimento do governo, fez aumentar a busca por organizações do terceiro setor que ajudam vítimas de violência, o que salienta a importância destas instituições na prevenção, proteção, acolhimento e apoio – psicológico e jurídico – às vítimas.

Foi pensando nisso que o Núcleo Espiral, em parceria com o Instituto Nelson Willians, desenvolveu o projeto Educando para a Paz, uma capacitação para educadores na prevenção da violência contra crianças e adolescentes, o que inclui o combate à violência sexual.

Neste projeto, busca-se conscientizar os educadores sobre as diversas manifestações da violência, como identificá-las e formas de acolher e ajudar as vítimas, minimizando os efeitos que essa violência têm sobre elas. Além disso, os educadores aprendem formas de trabalhar estas questões diretamente com as crianças e adolescentes, orientando sobre o que fazer caso vivenciem ou presenciem algo. Desse modo, o objetivo final do projeto é colaborar para a interrupção do ciclo de violência contra crianças e adolescentes, evitando que ela se perpetue na sociedade, semeando, assim, uma cultura de paz.

Referências

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https://www.inesc.org.br/pandemia-nao-e-carnaval-sem-recursos-nao-ha-enfrentamento-a-violencia-sexual/

Denúncias de violência contra crianças e adolescentes caem 12% no Brasil durante a pandemia | São Paulo | G1 (globo.com)

Acolhimento às vítimas de violência fica nas mãos de ONGs (terra.com.br)