Artigo: ‘Lei Maria da Penha e os novos canais de denúncia’

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Publicado em 07 de agosto de 2020, em GPS Lifetime

Nesta sexta-feira, 7, a Lei Maria da Penha completa 14 anos. Os registros mostram que a norma permanece extremamente necessária, infelizmente. De acordo com levantamento de 2019 do SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), uma mulher é agredida a cada 4 minutos no País. A situação, entretanto, ficou ainda mais preocupante com a pandemia do coronavírus e o consequente isolamento da população. Ao mesmo tempo em que houve uma redução nos registros oficiais em boletins de ocorrência, o número de casos de agressão em meio à COVID-19 aumentou.

Esta dura realidade podemos comprovar com o Projeto Justiceiras, que recebe denúncias de violência doméstica por meio do WhatsApp. Em apenas quatro meses, o Projeto já acumula quase 1.500 casos atendidos em 23 estados e no DF. 

Pelo celular, as vítimas pedem ajuda e recebem orientação de profissionais voluntárias das áreas jurídica, médica, psicológica, de assistência social e da rede de acolhimento. O Programa conta atualmente com cerca de 3.500 voluntárias**.

De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH), em abril deste ano, a quantidade de denúncias de violência contra a mulher cresceu cerca de 40% no canal 180, quando comparado ao mesmo mês de 2019. A diferença também é devida à quarentena, pelo fato de a mulher estar isolada dentro de casa e, na maioria das vezes, convivendo com o agressor, dificultando o acesso aos órgãos de apoio ao enfrentamento a violência.

Sim, pelos nossos levantamentos no Projeto Justiceiras, 42% das mulheres vítimas de violência moram com o agressor, e muitas delas relatam sofrer chantagens e ameaças ao tentarem romper os relacionamentos, o que as leva a ter medo do término da relação. Na grande maioria dos casos, o agressor é o homem com quem essas mulheres se relacionam ou um ex-companheiro.

A violência contra a mulher é um problema social e decorre da cultura sexista da maior parte da sociedade, fundada na segregação e na tentativa de submissão do sexo feminino, replicando uma normatização de comportamentos violentos e criminosos. Nos atentamos aos frutos dessa estrutura conhecidos como os filhos da violência, que trazem estes comportamentos enraizados e replicam os comportamentos abusivos. 

Um dado, porém, chama a atenção no Projeto Justiceira: mais da metade das atendidas nunca pediram ajuda a órgãos públicos ou para o sistema de justiça (51%). Quatro em cada dez das atendidas buscaram desabafar com familiares e amigos, mas não denunciaram. E, aqui, nós temos algumas possibilidades: algumas vezes por elas não saberem qual caminho percorrer para conseguir ajuda, por não acreditarem na eficácia da ajuda, pela vergonha de se expor, ou mesmo por desconhecer a sua situação de vítima. 

Portanto, é muito importante que programas alternativos cheguem a essas mulheres, para fortalecer a vítima até que ela se sinta preparada o suficiente para formalizar uma denúncia nos órgãos competentes. Lembrando que o principal passo de todos os projetos que trabalham no enfrentamento à violência doméstica de gênero é a informação. Portanto, empoderar essas mulheres com informações sobre seus direitos e ferramentas para que possam reconhecer relacionamentos abusivos é primordial. 

O que se verifica ainda é que o maior problema não é a falta de leis e instrumentos que protejam as vítimas de violência, mas a dificuldade em acessar a assistência jurídica e social. Quando as mulheres decidem buscar ajuda, passam por diversos obstáculos internos, como admitir para si que o que está acontecendo é uma violação dos seus direitos, e externos: muitos municípios brasileiros não têm uma Delegacia de Defesa da Mulher ou Centro de Referência; além da falta de informação sobre em qual órgão competente a vítima deve buscar ajuda. 

Por isso, é muito importante colocar em prática outras formas com o objetivo de mobilizar ajuda à mulher que está em busca de socorro. Os aplicativos de celular, por exemplo, são um meio eficaz e simples de atender e dar apoio às vítimas, já que mais de 80% das pessoas têm acesso à internet. Mesmo depois da pandemia, essas ferramentas devem ser estimuladas no combate à violência doméstica, além, é claro, de políticas públicas para o fortalecimento da autoestima da mulher e para suprir suas necessidades básicas e exercício de todos os seus direitos: saúde, liberdade, segurança, trabalho, educação e dignidade.

*Anne Carolline Wilians é advogada, presidente do Instituto Nelson Wilians e uma das fundadoras do Projeto Justiceiras

**As vítimas de violência podem solicitar ajuda ao Projeto Justiceiras pelo WhatsApp (11) 99639-1212 ou pelo site do projeto