Como lidar com os efeitos sociopsicológicos potencializados pela pandemia

Por Elias Pereira Villas Boas.

Desde dezembro de 2019, temos tido notícia deste do novo coronavírus, do qual sabemos cientificamente bem pouco e que desde então temos nos movido no mesmo propósito de freá-lo.

De lá para cá, estivemos absolutamente recolhidos, reaprendendo a lidar com nosso dia a dia e revendo nossos comportamentos sociais. Depois de longos meses, começamos a sentir o impacto efetivo desta mudança brusca, temporal, nunca antes vista desde a gripe espanhola, da qual a maioria de nós nem viveu.

Podemos nos entender enlutados com tanta perda? Houve épocas neste período todo que, durante dias, ao menos uma notícia de internação ou morte nós recebemos. Além disso, nos sentimos tolhidos de nossa corriqueira liberdade ou simples hábitos, que até então eram considerados normais, isso nos tem leva a repensar e remodelar as relações, por força da necessidade imediata de nos mantermos seguros e não expormos, inclusive, nossos amados familiares e amigos.

Certamente a maioria de nós repensou valores, projetos, prioridades e expectativas, no âmbito pessoal, acadêmico e até mesmo profissional.

Mesmo para as pessoas que não foram vitimadas por perda direta, a sensação coletiva de se sentir estafado, perdido, sem certeza ou sem controle do que até então parecia aparentemente objetivo e sólido, tornou-se volátil. Os sets de terapia, as rodas (virtuais) de conversas e, principalmente, no contexto corporativo, onde áreas já demandas pelo aspecto de suporte à gestão, social e de saúde total e segurança, a exemplo de Recursos Humanos, têm sido cada dia mais procurados para construir soluções individuais e coletivas, em uma junta profissional que visa criar, por vezes com envolvimento da família, uma rede efetiva de suporte a pessoa.

David Kessler, um dos maiores especialistas do mundo sobre a temática do luto, disse: “o desconforto que estamos sentindo é uma reação de luto”.

Na definição de Sigmund Freud, 1915, o luto é um processo lento e doloroso, que tem como características uma tristeza profunda, afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido, a perda de interesse no mundo externo e a incapacidade de substituição com a adoção de um novo objeto de amor.

Tudo que conhecíamos mudou e, mesmo sem ter perdido alguém, é normal ter um sentimento de perda (da liberdade, do trabalho, da segurança econômica, dos eventos cancelados, entre outros) e estar sentindo medo, ansiedade e tristeza é inteiramente normal.

Imaginando que todos nós temos nos sentidos, em algum momento e de alguma forma desta maneira, como podemos lidar com isso e apoiar nossos próximos de maneira mais assertiva e prática:

Primeiro – importante identificá-lo conscientemente e assumi-lo como algo normal, pelo qual precisamos passar.

Quais são os sentimentos mais recorrentes:

  • Depressão: transtorno mental, potencialmente associado à tendência suicida, de humor ou dependência química – psicoativas (BOTEGA, 2014);
  • Ansiedade: segundo a Organização Mundial de Saúde, OMS, caracteriza-se principalmente por excesso de preocupação, ou constância negatividade sobre o que possa acontecer, sem motivo prático ou efetivo. Em geral, em crise, as pessoas tendem a ignorar o presente;
  • Confusão mental: dificuldade de concentração, raciocínio mais lento e esquecimento ou respostas rápidas, segundo o Código Internacional de Doenças, CID;
  • Sensação de impotência;
  • Sentir-se em uma montanha-russa, com altos e baixos;
  • Sentir-se um “estrangeiro” da própria vida;
  • Sentir-se sem controle sob o futuro e eventualmente resgatar culpas do passado, entre outros.

Segundo – Como devo lidar? Algumas dicas: 

  • Acolher os sentimentos, não se culpar por senti-los e dar a atenção que eles precisam;
  • Expressar o que sente com pessoas próximas;
  • Buscar prazer nas pequenas coisas e procurar focar no presente (praticar meditação, dançar, brincar com as crianças etc.);
  • Controlar o que você pode controlar: lavei as mãos? Passei álcool? Coloquei a máscara?
  • Organizar uma rotina diária que inclua atividades produtivas, de autocuidado e de relaxamento;
  • Praticar a compaixão.
  • Além disso, sejamos flexíveis. É importante ter em mente também que cada um vivencia e lida com esses sentimentos de forma diferente;
  • Pratiquemos a tolerância com quem compartilha a quarentena com você. Isto é essencial;
  • E tenhamos esperança, pois sabemos que o mundo virou do avesso de repente, mas, assim como no luto, acreditamos que um dia sairemos da tormenta, diferentes de como entramos e inevitavelmente transformados para melhor.

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, em parceria com o Conselho Federal de Medicina, CFM, dedica o mês de setembro à democratização do apoio ao tema falando da Prevenção ao Suicídio. São registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 01 milhão no mundo. Trata-se de uma triste realidade, que registra cada vez mais casos, principalmente entre os jovens. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias.

De acordo com o site oficial da campanha, cerca de 50 a 60% das pessoas que morreram por suicídio nunca se consultaram com um profissional da saúde. E que é o preconceito que impede pessoas de procurarem ajuda. Ou seja, pessoas negligenciam sinais de que precisam de ajuda em virtude do estigma/preconceito que existe sobre a saúde mental.

Você não precisa estar bem o tempo todo! Transtorno Mental não é sinônimo de fraqueza, tão pouco de loucura. Infelizmente é algo recorrente na atualidade em função do ritmo de vida que levamos e da rotina a qual estamos expostos. Falar sobre, pode ajudar você e ao outro.

Importante ficar atento aos sinais mínimos a nos despertar o autocuidado ou ao estímulo de criar uma rede de apoio e buscar ajuda profissional.

E quando falamos de públicos altamente vulneráveis, socialmente falando?

É fundamental ressaltar a importância da consciência social em nos preocupar, assim como o poder público, com populações das mais impactadas e sem condição de lidar com tal cenário, ressaltando o quanto a pandemia vem produzindo impactos eloquentes nestas pessoas, produzindo repercussões em escala em âmbitos gerais, com altas estimativas de afetamento, principalmente dos subsistemas de saúde e subsistência.

Os direitos humanos também são diretamente impactados pelo isolamento acerca das necessidades básicas como o direito a ir e vir, testagens maciças, celeridade na vacinação e tratamentos suficientes aos públicos mais vulneráveis, e precisamos cada dia mais nos sensibilizar e participar da construção e aplicação de políticas públicas, somadas às ações do terceiro setor e iniciativa privada que possam, efetivamente, nos fazer notar o atendimento psicossocial das pessoas em todas as esferas do problema.

Sobre o autor: Elias Pereira Villas Boas, Coordenador de Desenvolvimento Humano e Organizacional no Nelson Wilians Advogados, é formado em Gestão de Recursos Humanos pela Uniradial (Estácio; em Negócios e Serviços pelo Mackenzie e Gestão de Projetos pela FIA Business School. Possui mais de quinze anos de carreira em Atração, Gestão do Talento, Treinamento, Desenvolvimento Humano, Organizacional, Clima, Cultura, Performance, Desempenho, Compensação total e engajamento.

Referências:

  • BECK, A. T. Teoria Cognitiva da Depressão. São Paulo: Zahar, 1982;
  • BORGES, A. F. F.; CARNEIRO, C. M. S.; MARTINS, D. A. M. dos.; GUIMARÃES, S. M. L. Suicídio decorrente do trabalho no Brasil. Conceito Jurídico, ano III, n. 35, nov. 2019;
  • BOTEGA, Neury José. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia USP, v, 25, n. 3, p 231-236, 2014;
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Brasília, DF, 1993;
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Guia com cuidados para saúde mental durante a pandemia da Covid-19. Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://news.un.org/pt/ story/2020/03/1707792 9. HILMAN, James. Suicídio e alma. Rio de Janeiro: Vozes, 2016;
  • ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE (OPAS). Suicídio é grave problema de saúde pública e sua prevenção deve ser prioridade. Brasília, DF, 2018;
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Brasília, DF, 1993;
  • VERGARA, S. C.; BRANCO, P. D. Empresa humanizada: a organização necessária e possível. RAE- Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 20-30, 2001;
  • WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preventing suicide: a global imperative: executive summary. Geneva, 2014. Disponível em: Acesso em: 31 jul. 2020.