Falar sobre o suicídio e as ações de prevenção é um tabu no mundo, e não seria diferente no Brasil. As pessoas motivadas pela ideação suicida são extremamente estigmatizadas com os rótulos da insanidade ou fraqueza. Seus familiares também passam a sofrer com as acusações de abandono, insensibilidade ou negligência, e por não terem percebido os sinais que seus entes queridos, em alguns casos, deixam transparecer. No entanto, esses sinais de alerta nem sempre são emitidos, ou quando são, só podem ser percebidos por profissionais da saúde, como psicólogos, terapeutas, assistentes sociais ou psiquiatras, profissionais preparados para identificar sinais tão sutis que para muitos passaria como uma simples reclamação corriqueira ou até mesmo um comentário bobo sem importância, mas que ultrapassada essa fase acarreta muita dor e sofrimento para todos os envolvidos, sejam familiares, amigos, colegas e o próprio suicida enquanto sobrevivente.
Esse artigo produzido com incentivo do Instituto Nelson Wilians (INW), tem a intenção de chamar a atenção para um tema que é considerado um problema de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), assim como pelo Ministério da Saúde do Brasil. Quando se fala que o suicídio é uma questão de saúde pública mundial, os números registrados de óbitos por suicídio em todo o mundo são impressionantes e justificam essa preocupação, que passamos a expor.
OS NÚMEROS ASSUSTAM
Tomando como base inicial um dos mais importantes relatórios já produzidos sobre a prevenção do suicídio, o “Preventing suicide – a global imperative”, publicado pela OMS, em setembro de 2014¹, que em tradução livre: Prevenindo o suicídio – um imperativo global², demonstra um panorama assustador, com números de óbitos tão elevados que chegam a superar os registrados em guerras, conflitos armados ou epidemias.
A OMS, nesse relatório de 2014 com dados coletados em 2012, estima que 804.000 pessoas tenham cometido suicídio no mundo, desse total 11.821 seriam no Brasil³, podendo esses números serem ainda maiores, pois o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), utilizado pelo Ministério da Saúde (MS), sofre com o sub-registro dos óbitos em virtude de vários motivos, entre eles a vergonha, o medo dos familiares em sofrer com a estigmatização do suicídio ou deficiência do próprio sistema de registro.
Essas informações, que fazem parte de um universo imenso de dados sobre o assunto, demonstram a gravidade da situação que é totalmente desconhecido pela maioria da população, pois como já mencionado, é visto como um tabu e requer a observação de várias diretrizes e cuidados para ser abordado pelos veículos de comunicação. Por conta disso se prefere evitar abordar o tema, o que interfere extremamente na sua prevenção uma vez que especialistas mencionam ser indispensável a abordagem da temática para a prevenção.
SETEMBRO AMARELO ORIGEM
Tendo em vista essa falta de espaço para divulgação e promoção de ações de prevenção ao suicídio, a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) organizou O Dia Mundial da Prevenção do Suicídio (WSPD)⁴, que é celebrado anualmente em 10 de setembro, a iniciativa tem o apoio da OMS e o evento busca chamar a atenção global para as ações de prevenção ao suicídio, com o objetivo de ampliar a conscientização sobre sua prevenção em todo o mundo. Para o ano de 2023 o tema da campanha do dia internacional de prevenção ao suicídio é “Você pode ser a luz”, encorajando as pessoas à compreender a dor do outro e compartilhar suas experiências, agindo como um farol de luz para aqueles que sofrem, estimulando ações de prevenção ao suicídio.
No Brasil, foi criado em 2015 o setembro Amarelo pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), com a proposta de associar a cor ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. A ideia é chamar a atenção para o tema da prevenção ao suicídio de diferentes formas, iluminando prédios, monumentos, realizar ações de rua como caminhadas e passeios ciclísticos, ou simplesmente usando um laço amarelo. Um ponto emblemático da companha é o cristo redentor que recebe uma iluminação amarela neste período garantindo mais visibilidade à causa e divulgando o slogan da campanha do setembro amarelo que é “Falar é a melhor solução”.
O setembro amarelo é uma oportunidade de chamar a atenção para um problema de saúde pública que atinge as pessoas independente da classe social, raça ou credo. É o momento de potencializar e dar visibilidade para o trabalho que é desenvolvido o ano inteiro pelas Organizações Não Governamentais (ONGs), Centros de Apoio Psico Social (CAPS), Alcoólicos Anónimos (AA), entre outras entidades religiosas e civis, que buscam dar apoio emocional.
JUVENTUDES
Este tipo de tragédia pessoal vem atingindo principalmente as juventudes. As estatísticas fornecidas pelas Nações Unidas (ONU), que aponta o suicídio como a segunda principal causa de morte entre os jovens, isso ressalta ainda mais a necessidade de foco e programas de prevenção do suicídio com essas pessoas, que não raramente costumam usar a expressão “sensação de vazio” para descrever como estão se sentindo com relação a suas vidas⁵ num mundo em que tudo é regido pelas redes sociais, engajamento e imediatismo digital, que impõe padrões de comportamento, modelos de negócios e novas tecnologias a jovens que mesmo sendo os chamados “nativos digitais” não desenvolveram habilidades, em especial, ferramentas psicológicas para lidarem com o contexto global e socioeconômico em que estão inseridos. Essa falta de acesso a ferramentas e suportes psicológicos faz com que os jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos de idade respondam assustadoramente por 8,5% dos óbitos por suicídio em todo o mundo⁶. Além disso, quando um suicídio acontece, tornam-se vítimas não só a pessoa e seus familiares, mas também vizinhos, colegas de trabalho e escola, ou seja, todos que estão a sua volta.
Diante disso, é essencial que as escolas sejam aliadas na promoção da saúde mental e na prevenção do suicídio. Isso pode incluir a realização de palestras, workshops, distribuição de materiais informativos e a disponibilidade de recursos de apoio para estudantes que precisam de ajuda. Falar sobre os temas da prevenção ao suicídio e da saúde mental nas escolas é uma abordagem crucial para prevenir problemas de saúde mental e pensamentos suicidas entre os jovens. A faixa etária escolar é especialmente vulnerável a essas questões devido às pressões acadêmicas, sociais e emocionais que podem enfrentar no decorrer da vida de estudante, seja na escola ou na faculdade.
A campanha Setembro Amarelo é uma iniciativa importante para conscientizar sobre a prevenção do suicídio, introduzir discussões sobre saúde mental, bem-estar emocional e prevenção ao suicídio nesse ambiente escolar, que pode ajudar a reduzir o estigma associado a essas questões, bem como fornecer informações valiosas para os estudantes sobre como lidar com o estresse, a ansiedade e outros desafios emocionais. Além disso, criar um ambiente de apoio onde os alunos se sintam à vontade para falar sobre suas preocupações pode fazer uma grande diferença na detecção precoce e na busca de ajuda.
OS CENTROS DE APOIO EMOCIONAL E PREVENÇÃO AO SUICÍDIO
É encorajador que a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirme que a maioria dos casos de suicídio e tentativas de suicídio poderia ser prevenida, sugerindo que existem medidas que podem ser implementadas para oferecer suporte e ajuda àqueles que estão em risco. Porém, para que isso seja possível, se faz necessária uma grande mobilização entre o público, o privado e o terceiro setor, criando ações e políticas públicas para o enfrentamento desse problema de saúde pública. Assim, movido pelo sentimento de mudar uma realidade de total falta de apoio emocional, em 1953, numa pequena sala munida de telefone na igreja de St. Stephen, no centro londrino, o reverendo Chad Varah, fundou os Samaritanos de Londres, que viria a ser a ONG referência para criação de grupos similares no mundo inteiro, com pressupostos de um atendimento não profissional e não diretivo⁷, estando ainda atuante na prevenção ao suicídio, com mais de 22.000 voluntários, atendendo mais de 3 milhões de chamadas por ano⁸.
No Brasil o Centro de Valorização a Vida (CVV), fundado em São Paulo em 1962, surge inspirado nos trabalhos desenvolvidos pelos samaritanos. Um centro de ajuda, filantrópica, reconhecido como de Utilidade Pública Federal, desde 1973⁹, sem ligações políticas ou religiosas que sobrevive com a ajuda de doadores e dos próprios voluntários para oferecer a 61 anos uma escuta qualificada, em uma sociedade onde a maioria das pessoas simplesmente não tem tempo ou não querem escutar o outro, ou seja, o voluntário ouve e procura compartilhar sentimentos, mas não dá conselhos a quem procura o serviço, que na maioria das vezes são pessoas solitárias, angustiadas, deprimidas que buscam alívio para uma dor tão profunda que os faz ligar e desabafar com pessoas totalmente estranhas, mas, que tem o compromisso de proporcionar apoio emocional e prevenção ao suicídio para aqueles que os procuram através de uma ligação telefônica ou mensagem no chat.
O CVV, como uma ferramenta de prevenção ao suicídio toma uma proporção gigantesca, pois, quem liga para o telefone 188 ou acessa o chat do CVV que funciona 24 horas, não precisa se identificar, e tem a certeza de que tudo que for falado ficará protegido pela confidencialidade, um dos princípios que norteiam os trabalhos dos voluntários, qual seja: Sigilo e não diretividade pois não há uma interferência do ouvinte, e sim uma autonomia total de quem ligou para condução da ligação, a pessoa que está com uma ideação suicida ao aprofundar na sua fala começa a enxergar em muitos casos uma saída para sua condição, pois assim como teve coragem de ligar, também tem coragem de buscar ajuda profissional para tratar suas dores e angustias.
Um caso que direcionou os holofotes ao trabalho de apoio emocional e prevenção ao suicídio realizado pelo CVV foi o do humorista Whindersson Nunes, que em suas redes sociais contou que ligou para o CVV e descreveu sua experiência da seguinte forma “Uma moça bacana com uma voz calma conversou comigo. Chorei demais, mas a experiência de conversar sobre tudo com um anônimo é muito libertador”, e aproveitou para incentivar as pessoas que estejam precisando de ajuda a ligarem para o 188. O humorista passou por um quadro depressivo grave que lhe afastou dos palcos e hoje fala abertamente sobre saúde mental e de como foi difícil conseguir ajuda para sair desse quadro¹⁰. Este tipo de divulgação é que auxilia a prevenção e se faz necessária a fala, o conhecimento e a discussão, pois como já mencionado, muitas vezes os sinais não são perceptíveis aos demais, “Falar é a melhor solução”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Promover eventos e debates que abordem o tema do suicídio pode quebrar o estigma em torno dele e encorajar as pessoas a falar abertamente sobre suas próprias experiências ou preocupações. A conscientização sobre os sinais de alerta, os recursos de apoio disponíveis e a importância de buscar ajuda quando necessário é fundamental para prevenir o suicídio. No entanto, é importante lembrar que a abordagem do tratamento e prevenção do suicídio é complexa e deve envolver não apenas instituições médicas, mas também esforços de educação, conscientização e políticas de saúde mental mais abrangentes.
A disponibilidade de tratamento psicossocial em várias regiões do país é uma medida importante para fornecer apoio a indivíduos que precisam de ajuda. A triagem realizada nas Unidades de Saúde Básica (USB) é o primeiro passo importante para identificar aqueles que podem estar em risco e encaminhá-los para tratamento adequado.
Profissionais de saúde desempenham um papel crucial na identificação de sinais de alerta e fatores de risco em pacientes que podem estar enfrentando problemas de saúde mental. Isso inclui não apenas médicos e psiquiatras, mas também profissionais de saúde em diversos níveis de atendimento, como enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas. O treinamento e a capacitação desses profissionais para reconhecerem os sinais precoces de vulnerabilidade e oferecerem apoio adequado pode fazer uma diferença significativa na prevenção do suicídio.
É ótimo ver que várias organizações no Brasil e no mundo estão unindo esforços para conscientizar sobre a prevenção ao suicídio e incentivar discussões importantes sobre saúde mental. O fato do mês de setembro ser dedicado à prevenção ao suicídio é uma oportunidade valiosa para ampliar e aprofundar o tema e a conscientização em nível global.
A prevenção ao suicídio é uma responsabilidade compartilhada por todos nós e, é crucial trabalharmos juntos para criar uma sociedade mais compassiva e solidária em que a saúde mental e o apoio emocional são valorizados e acessíveis a todos sem estigmas, onde as pessoas possam falar sobre suas dores e se sintam apoiadas e acolhidas frente suas lutas emocionais para que tenham a certeza de que viver é a melhor opção.
Ouça o episódio #108 no Spotify.
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¹ Preventing suicide – a global imperative (em tradução livre: Prevenindo o suicídio – um imperativo global). OMS, set. 2014.
² Trigueiro, André. Viver é a melhor opção (Portuguese Edition). André Trigueiro / Editora Correio Fraterno. Edição do Kindle.
³ Preventing suicide – a global imperative (em tradução livre: Prevenindo o suicídio – um imperativo global). OMS, set. 2014.
⁴ acessado em 12/08/2023, https://www.iasp.info/wspd/
⁵ Trigueiro, André. Viver é a melhor opção (Portuguese Edition). André Trigueiro / Editora Correio Fraterno. 6ª Edição 3ª reimpressão, julho de 2022, pág. 85.
⁶ Preventing suicide – a global imperative (em tradução livre: Prevenindo o suicídio – um imperativo global). OMS, set. 2014.
⁷ Entrevista, São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001 Folha de São Paulo Mundo, acessado em 05/08/2023, https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2406200106.htm
⁸ Acessado em 12/08/2023, https://www.samaritans.org/about-samaritans/our-organisation/annual-and-impact-reports/our-impact-report/
⁹ Acessado em 12/08/2023, https://www.cvv.org.br/
¹⁰ Estadão, Acessado em 12/08/2023, https://www.estadao.com.br/emais/gente/whindersson-nunes-diz-ter-contado-com-apoio-do-cvv-quando-precisou-de-ajuda-muito-libertador/