Por Dr. Marcel Vajsenbek
Se por anos você fosse socialmente colocado em uma situação de inferioridade, sem acesso a serviços, direitos econômicos, políticos e sociais certamente teria dificuldades para ter uma boa condição de vida, não é mesmo? Até porque o presente é apenas o produto do passado e, por isso, é importante olharmos para a história para entender a realidade atual quando tratamos dos Direitos Políticos da Mulher.
Da mesma forma, como grande parte dos direitos conquistados na humanidade, inclusive os Direitos Humanos, o reconhecimento dos direitos das mulheres é fruto de um longo processo histórico. Durante séculos, as mulheres, nas mais variadas realidades sociais, viveram submetidas a uma posição de controle, longe do espaço público e sem condições para exigir tratamento digno.
A história das mulheres não se resume apenas à opressão a que eram e ainda são submetidas, mas diz respeito às lutas e resistência que realizaram para desconstruir os preconceitos e as discriminações sofridas.
Na Antiguidade (4000 a.C – 476 d.C), em sociedades como a egípcia, as mulheres não tinham acesso à escrita. Isso significa que as mulheres eram marginalizadas do processo de documentação e produção de conhecimento.
A situação e o status das mulheres na Grécia antiga também não era muito diferente. Elas não podiam participar dos debates políticos e públicos da sociedade, não tinham acesso à educação na infância e concentravam os seus trabalhos no ambiente doméstico. Além disso, dependendo de suas condições econômicas e sociais, era muito comum serem submetidas à escravidão (como no caso da maioria das imigrantes) e/ou à prostituição.
Já na Europa, durante a Idade Média (476 – 1453) as mulheres começaram a exercer outros papéis dentro da sociedade. Além dos afazeres domésticos e do artesanato, que não envolvia apenas a confecção de tecidos, mas a fabricação de cosméticos, pentes e artigos de luxo, as mulheres da nobreza também administravam propriedades como senhoras feudais.
Após a Segunda Guerra Mundial, muitos países ainda não garantiam liberdades políticas completas para as mulheres. Em 1952, um ano antes da Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher ser adotada, em 31 de março de 1953, apenas cem países concediam o direto ao voto feminino. O propósito da convenção foi codificar padrões internacionais básicos dos direitos políticos das mulheres.
O principal impulso para a legislação, e muito de sua elaboração, veio da Comissão da Condição da Mulher das Nações Unidas. A Comissão enviou uma pesquisa sobre direitos políticos femininos para os seus estados-membros; as respostas resultantes tornaram-se base para a Convenção, ora adotada em 31 de março de 1953.
Atualmente, as discussões sobre participação feminina na política têm ganhado relevante destaque em busca de uma sociedade mais justa e igualitária. Contudo, a representatividade feminina no exercício dos mandatos não reflete as estatísticas do eleitorado.
Diversos são os empecilhos que as mulheres enfrentam para se lançar na política. Essa situação reflete uma questão de gênero e suas relações com o poder e demonstra que a desigualdade feminina tem seus efeitos de discriminação, adquirindo expressões concretas em todos os âmbitos, inclusive na política.
É imprescindível, portanto, que os atores institucionais, à luz dos princípios constitucionais, promovam novas construções de sentidos por meio de relações não hierarquizadas, com a presença mais igualitária das mulheres, até que se chegue ao ponto em que as ações afirmativas se tornem desnecessárias, em razão da equidade entre os gêneros nos espaços de poder.
Assim, verifica-se que as cotas de gênero, aplicadas aos recursos do financiamento de campanha, implementadas em 2020, representam um avanço significativo, porém ainda não suficientes para equilibrar a balança da representatividade feminina no cenário político brasileiro, por exemplo. Dessa forma, as cotas para reserva de cadeiras podem representar um novo caminho na busca pela igualdade de gênero.
Igualdade Feminina
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo, aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.
Esse é um trecho da Constituição Federal de 1988, que também foi um marco para a Igualdade Feminina, dispondo logo no artigo 5º sobre o princípio constitucional da igualdade sem nenhuma distinção.
Assim, temos que o processo constituinte que se instaurou no Brasil em 1988 abriu novas perspectivas de transformações estruturais e novos paradigmas para a sociedade; sobretudo, no que se refere à incorporação de direitos fundamentais básicos ao texto constitucional.
Nesse contexto, os direitos políticos inseridos no texto constitucional compreendem a capacidade eleitoral ativa e passiva, ou seja, o direito de votar (capacidade ativa) e de ser votado (capacidade passiva).
Ainda que a Constituição tenha garantido a Igualdade de Gênero, a realidade se mostra contrária, quando mulheres ainda deixam de ser contratadas pelo gênero, ou quando os espaços de poder continuam sendo ocupados, em sua maioria, por homens; seja em âmbito nacional, estadual ou municipal, tanto instituições públicas quanto privadas.
Além disso, observa-se a desigualdade de gênero quando a mulher continua sendo a principal responsável pela criação dos filhos, dos cuidados com os idosos e das pessoas com deficiência, bem como pelo cuidado da casa, tendo muitas vezes jornadas diárias exaustivas em função disso.
Nesta perspectiva, a luta pela igualdade feminina não é somente histórica, mas também atual, pois os movimentos sociais femininos continuam lutando por direitos básicos para mulheres, pelo combate à violência, maior representatividade política, dentre outros.
No meu entendimento, a igualdade feminina não deve se fazer presente somente por impulsionamento pelos movimentos sociais femininos, cabe a nós, homens, entendermos e aceitarmos que as mulheres hoje desempenham cargos e funções, por vezes, com competência técnica e profissional muito melhores que a nossa. Hoje, as mulheres conquistam cadeiras importantes na sociedade, pilotam aviões, administram multinacionais, instituições financeiras, jogam futebol, estão presentes nas principais corporações (polícia, bombeiro, guarda municipal), e por que não pode ser assim na política?
Conclusão
A subordinação de gênero fica nítida especialmente nas civilizações antigas e medievais do ocidente em que as relações sociais, políticas e econômicas muitas vezes se davam com base nas concepções sociais a respeito de características físicas dos indivíduos, em que predominava, por exemplo, a popularmente chamada “lei do mais forte”, impondo às mulheres a responsabilidade pelas atividades domésticas e matrimoniais.
Assim, por muito tempo as mulheres viveram em condições de inferioridade na sociedade, não possuindo acesso aos mais básicos direitos por não ter o reconhecimento de sua cidadania. A conquista da igualdade de direitos exigiu e segue exigindo muita luta e reivindicação.
Conforme o argumento para que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher fosse elaborada, temos que reconhecer que, para que a equidade seja estabelecida, é preciso favorecer grupos excluídos historicamente em comparação aos não excluídos. Pois tratar o desigual de maneira igual pode contribuir para alimentar a desigualdade existente.
As estruturas sociais, econômicas e políticas construídas com base em injustiças, ao longo da história, não conseguem ser desconstruídas sozinhas. Ainda há um enorme caminho a ser trilhado para que, na prática, a igualdade de direitos entre homens e mulheres seja efetivamente implementada.
Por isso, não só como cidadãos diversificados, mas em especial a nós homens, devemos exigir que os direitos das mulheres conquistados até hoje sejam não só garantidos, mas também que sejam valorizados de forma constante.
O autor:
Dr. Marcel Vajsenbek é Supervisor Jurídico do NWADV e Especialista em Processo Civil, Direito Digital e Compliance.