Por Isabely de Paula, Advogada no NWADV/PR e membro do Comitê INW.
A palavra “educar”, por si só, se traduz do latim “educare”, “educere”, significando “conduzir para fora” ou “direcionar para fora”. Da anamnese da gramática, se vislumbra a essência do “extrair para fora de si”.
De acordo com a Constituição Federal, Art. 208, I, com redação da Emenda Constitucional 59/2009, a educação básica é obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade. Dessa toada, busca-se desde muito precocemente encontrar a verdadeira essência humana, lapidá-la e direcioná-la dentro dos padrões postos pela sociedade.
Mas qual é esse direcionamento dado pela educação atual? Será que ele é suficiente para garantir que o ser humano em formação ou já formado preparado para o mundo? Ao mundo em que a própria gramática sugere o direcionamento para fora de si?
Somos formados em um terreno que é interno, no mais íntimo de outro ser humano. E em menos de 365 dias, somos postos para fora, em um mundo completamente desconhecido. E em que pese todos os esforços governamentais para dar “apoio” nesse processo extracorpóreo, nós ainda estamos à mercê dos poucos recursos emocionais que nos são disponibilizados.
Quando se fala em educação, constitucionalmente, temos ela como um direito cívico e um dever do Estado, ainda que esse direito não alcance todas as crianças do Brasil. A partir dos 4 anos, as crianças já estão inseridas no ambiente escolar e desde cedo somos ensinados sobre gramática, matemática, geologia, mas quase nunca sobre sentimentos e emoções.
Somos conduzidos a aprender sobre tabuada, Jean-Jacques Rousseau e todos os intermináveis tempos verbais, mas quando nos é perguntado quem somos, de onde viemos e o que queremos, não sabemos responder.
Hoje já se sabe que investir em competências socioemocionais beneficia o educando não apenas no desenvolvimento dessas competências, mas também no desempenho escolar de modo geral e na manutenção de uma sociedade mais democrática, justa e igualitária.
Em nosso atual cenário, muitas vezes estamos fadados a responder que estamos bem, quando na verdade não estamos, simplesmente pelo fato de não sabermos nomear o que de fato estamos sentindo. É um silenciamento emocional enorme quando negligenciamos nossas emoções.
E é importante dizer que não cabe a culpa nessa negligência. Afinal, não podemos nos culpar por algo que sequer nos foi ensinado. E em que pese atualmente, as chamadas competências socioemocionais já estejam previstas na Base Nacional Comum Curricular, definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a maior dificuldade ainda é incorporar com efetividade essas medidas, uma vez que não há uma disciplina específica sobre este tema dentro das estruturas e etapas estabelecidas pela cartilha da BNCC.
Para o Instituto Brasileiro de Neurodesenvolvimento, a alfabetização emocional tem o objetivo central de ensinar o que são as emoções, para que elas servem e de que forma podem ser externadas.
No que tange a educação propriamente dita, pode-se até dizer que há um rumo, todavia, um rumo obstinado a programar seres humanos a produzir, ganhar e ter utilidade. Qualquer desordem que se faça presente no caminho, podem nos tornar improdutivos, sem ganho e sem utilidade. E o que fazer a partir daqui? Como saber lidar com essas desordens que nunca nos foram ensinadas?
De uma breve leitura ao texto constitucional, Art. 205, se extrai que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).
Podemos e devemos sim nos desenvolver, praticar a cidadania e ter habilidades desenvolvidas para o trabalho, mas é necessário apurar as práticas para o desenvolvimento socioemocional, inserindo-as cada vez mais junto as estruturas de ensino formal e não-formal, para que essas discussões não se tornem apenas mais um componente curricular. Isso, porque nos ensinaram trilhar um caminho, mas se algo nos tirar desse rumo, logo, não temos ferramentas emocionalmente capazes de nos fazer escolher outros trajetos, estratégias ou direcionamentos.
Jorge Cascardo, especialista em Neurociências, nos diz que: “O momento exige que sejamos mais ativos do que teóricos nos processos educacionais. Devemos buscar conhecimentos e práticas que fortaleçam o indivíduo e o tornem apto a acompanhar as rápidas transformações da sociedade.”
Para isso, devemos encarar nossas crianças com a esperança que representam e necessitam. A tarefa é educá-los em todo o seu ser, pois podemos não ver nosso futuro as claras, mas nossas crianças verão através da criatividade emocional delas.
E os benefícios da alfabetização emocional são muitos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Neurodesenvolvimento, a alfabetização emocional ajuda a entender e gerenciar as emoções, promove o desenvolvimento natural, favorece a tomada de decisões pessoais, colabora para a maturidade emocional, previne conflitos internos e ainda traz facilidade para lidar com frustrações.
Em vista disso, merece destaque também que a saúde mental deve ser considerada em todos os níveis socioeconômicos, pelo que, em vista dos inúmeros benefícios da alfabetização emocional, será de vital importância aprofundar cada vez mais o tema, principalmente junto as populações de baixa renda.
No Brasil, ao final de década de 90, houve um novo marco conceitual no modelo de vulnerabilidade social. Surge com as proposições de Ayres (1999) três elementos fundamentais que aprofundavam a visão teórica e as capacidades analíticas da época, baseada na estrutura de relações entre as noções de componente individual, componente social e componente programático, que significariam as possibilidades da pessoa em relação a seus problemas.
Nesse sentido, o significado do termo vulnerabilidade estaria vinculado à chance de exposição das pessoas ao adoecimento e a falta, como resultante de um conjunto de aspectos que, ainda que se refiram imediatamente ao indivíduo, o recolocariam na perspectiva de seu relacionamento com o social e a comunidade (Sanchez e Bertolozzi, 2007).
Gorovitz (1994) corrobora dizendo que a vulnerabilidade é multidimensional, implica em gradações e mudanças ao longo do tempo e tem caráter relacional. As pessoas não são vulneráveis, elas estão vulneráveis com relação à determinada situação e num certo ponto do tempo e espaço.
Por isso, em uma sociedade que sofre ainda com o empobrecimento, estando o emocional completamente ligado à nossa capacidade de construir laços sociais, tem-se mais uma vez a importância de uma educação que acolha e permita que o ser humano crie seus próprios sentidos e os entenda.
E vale dizer que, apesar de todas as circunstâncias que permeiam o estado emocional e as vulnerabilidades sociais, todo ser humano tem dentro de si a força e as ferramentas necessárias para superar dificuldades e encarar suas fragilidades. Mas, para isso, é importante que o aluno, criança ou adolescente, seja emocionalmente direcionado através de uma instituição que efetivamente promova as competências socioemocionais e conte com educadores que demonstrem uma boa gestão das emoções.
REFERENCIAS
Ayres JR de CM, Franca Junior I, Calazans GJ, Saletti Filho HC. Vulnerabilidade e prevenção em tempos de AIDS. In: Sexualidade pelo avesso: direitos, identidades e poder. Rio de Janeiro: Editora 34; 1999.
Competências Socioemocionais na BNCC disponível em: https://www.somospar.com.br/wp-content/uploads/2018/07/ebook-competencias-socioemocionais-bncc.pdf
Base Nacional Comum Curricular disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
Já Ouviu Falar em Alfabetização Emocional? Disponível em: https://www.ibnd.com.br/blog/ja-ouviu-falar-em-alfabetizacao-emocional-saiba-o-que-e-e-a-sua-importancia.html
Saúde Mental e Vulnerabilidade Social: a direção do tratamento disponível em: p. 1 a 6. começo.indd (scielo.br)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm
A HISTÓRIA, os pilares e os objetivos da educação socioemocional. Revista Educação. Disponível em:
http://www.revistaeducacao.com.br/historia-os-pilares-e-os-objetivos-da-educacao-socioemocional