Por Clara Freitas e Laiane Dantas
Belém anuncia o início das tardes com um movimento conhecido: o céu escurece devagar, a umidade ganha corpo e uma chuva rápida reorganiza o ritmo da cidade. Durante a COP30, esse ritual diário conviveu com um outro: o de delegações do mundo todo negociando parágrafos, fundos e compromissos para o meio ambiente. Entre um entardecer e outro, o que Belém nos ofereceu não foi apenas um palco diplomático, mas uma pergunta para o Brasil: o que fazemos, como país, com a chance de redesenhar o futuro que acabamos de colocar no papel?
Se avançarmos o relógio algumas décadas, é possível imaginar outra tarde na cidade. Em uma escola pública amazônica, jovens de diferentes bairros discutem, em uma aula de cidadania, o destino dos recursos de um fundo climático que remunera florestas em pé. Há um mural com expressões artísticas inspiradas em saberes e tradições de matrizes afro e indígenas, computadores conectados a plataformas de participação e uma professora que apoia os alunos na criação de um projeto de reciclagem para a escola. Essa aula ainda não é realidade na maior parte das escolas brasileiras, mas está longe de ser ficção científica. Trata-se de uma tradição afrofuturista, que propõe um exercício de imaginação educacional que valoriza a diversidade cultural do país e reconhece que populações negras, indígenas e periféricas possuem conhecimentos e experiências capazes de orientar soluções ambientais e fortalecer o vínculo entre território, cidadania e futuro.
Há um mural com expressões artísticas inspiradas em saberes e tradições de matrizes afro e indígenas, computadores conectados a plataformas de participação e uma professora que apoia os alunos na criação de um projeto de reciclagem para a escola. Essa aula ainda não é realidade para a maior parte das escolas brasileiras, mas está longe de ser uma ideia impossível. Ela dialoga com referências afrofuturistas que propõem imaginar futuros em que populações historicamente invisibilizadas se reconhecem como autoras de inovação, tecnologia e soluções ambientais, fortalecendo o vínculo entre território, cultura e cidadania.
Entre a realidade presente e esse futuro possível, a COP30 marca um ponto de inflexão. Ao colocar a Amazônia no centro do debate climático e defender uma conferência da implementação, o Brasil ajuda a consolidar instrumentos que prometem sair do plano das intenções. A proposta do Fundo Florestas Tropicais para Sempre se destaca como um dos exemplos centrais da COP30. Ao propor remuneração contínua para países que mantêm florestas em pé, reconhecendo o papel de povos indígenas e comunidades tradicionais, esse mecanismo sinaliza uma mudança de lógica: conservação deixa de ser apenas custo político e passa a ser tratada como ativo estratégico. A COP30 consolida, assim, uma agenda em que a governança climática depende, ao mesmo tempo, de instrumentos orçamentários e da capacidade de cada sociedade transformar esses instrumentos em políticas públicas que dialoguem com os territórios e respondam às necessidades da população.
Organizações multilaterais têm observado esse movimento com atenção crescente. O relatório Global Youth Outlook 2024, da PwC, mapeou percepções de jovens em 43 países e registrou que grande parte deles já reconhece a interdependência entre clima, políticas públicas e bem-estar coletivo. A pesquisa Emerging Horizons, conduzida por UNICEF e UNDP em 2024, acrescenta que jovens envolvidos em iniciativas de cidadania demonstram maior capacidade de dialogar, colaborar e participar de processos decisórios. Esses dados indicam um cenário que demanda novas abordagens formativas: compreensão de múltiplas escalas, leitura territorial, capacidade de síntese e disposição para a cooperação.
Essa discussão se conecta ao campo das habilidades verdes. Christina Kwauk e Olivia Casey, em estudo publicado em 2022, destacam que a transição para uma economia sustentável requer um conjunto de competências que ultrapassa o domínio técnico. As autoras descrevem a importância de capacidades críticas, socioemocionais e cidadãs que sustentem mudanças comportamentais e sociais duradouras, contribuindo para que jovens e adultos compreendam desafios climáticos, tomem decisões informadas e participem de maneira qualificada da vida pública. Em linha semelhante, o relatório Habilidades e empregos verdes para adolescentes e jovens no Brasil, do UNICEF, mostra que cerca de 30% dos empregos verdes no país já são ocupados por jovens de até 29 anos. A presença expressiva de juventudes na economia verde reforça a necessidade de conectar formação cidadã, qualificação profissional e participação social.
É nesse ponto que a capacidade de relacionar experiências individuais às estruturas mais amplas da sociedade se torna um eixo pedagógico relevante. Para um estudante que enfrenta enchentes recorrentes em seu bairro ou ondas de calor que interrompem aulas, a agenda climática pode parecer, à primeira vista, distante. Mas quando as escolas e organizações sociais promovem espaços de leitura do território e de compreensão de como decisões tomadas em conferências internacionais influenciam políticas locais de habitação, transporte e proteção ambiental, essa distância se reduz. Educação para a cidadania, nesse sentido, é também educação para ler a própria biografia à luz de decisões globais.
Nesse contexto, o Brasil reúne condições singulares para avançar. A diversidade sociocultural, a complexidade dos territórios e a convivência entre inovação e desigualdades tornam a formação cidadã um componente crucial para a vida pública. Ao mesmo tempo, essas características reforçam a importância de metodologias capazes de integrar saberes locais, conhecimentos científicos e práticas comunitárias. É nesse ponto de encontro que se insere o projeto Compartilhando Direitos, desenvolvido pelo Instituto Nelson Wilians.
A abordagem de educação para cidadania do INW estrutura-se em três dimensões formativas que organizam o desenvolvimento de estudantes e educadores: cidadania aprendida, percebida e ativa. Essa trajetória estimula pensamento crítico, consciência democrática e participação comunitária. Trata-se de uma proposta que considera o território como espaço pedagógico e que fortalece a confiança e participação cidadã das juventudes.
O Módulo 12 do projeto Compartilhando Direitos contribui para essa base de maneira direta. Ao trabalhar sustentabilidade como parte da cidadania, o módulo oferece uma leitura integrada da trajetória histórica, dos fundamentos legais e das práticas sociais relacionadas ao cuidado com os bens comuns. A apresentação de conceitos como desenvolvimento sustentável, pegada ecológica e governança intergeracional cria condições para que juventudes associem decisões globais à organização da vida local, compreendendo responsabilidades e oportunidades de participação.
A COP 30 apresenta ao mundo um conjunto de tarefas que exigem continuidade. Precisamos permanecer com a responsabilidade de transformar metas em processos pedagógicos, compromissos em trajetórias coletivas e debates globais em experiências que transformam a vida cotidiana. Se, como lembra um provérbio africano, é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança, também é preciso uma nação inteira, instituições, comunidades e pessoas, para construir um país capaz de manter suas florestas em pé, reduzir desigualdades, reduzir desigualdades, conforme previsto na Constituição e nas metas globais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e garantir que cada jovem tenha condições reais de estudar, trabalhar e participar das decisões que definem o amanhã. O direito ao futuro se expressa na capacidade de sociedades formarem pessoas sensíveis ao bem comum e preparadas para colaborar na construção de soluções para os desafios coletivos. É nesse horizonte que a educação para a cidadania se afirma como contribuição estratégica e duradoura.
Referências bibliográficas
INSTITUTO NELSON WILIANS. Módulo 12 – Sustentabilidade e Questões Ambientais. Programa Compartilhando Direitos. São Paulo, 2024.
KWAUK, C.; CASEY, O. A green skills framework for climate action, gender empowerment, and climate justice. Development Policy Review, v. 40, n. S2, p. 1-19, 2022.
UNESCO. Global Citizenship Education: Topics and Learning Objectives. Paris: UNESCO, 2015.
UNICEF. Habilidades e empregos verdes para adolescentes e jovens no Brasil. Brasília: UNICEF Brasil, 2025.
UNICEF; UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Emerging Horizons: Youth Insights on Climate Change and Breakthrough Solutions. New York: UNICEF/UNDP, 2024.
PWC. Global Youth Outlook 2024. PwC Global, 2024.
