A realização da COP 30 em Belém, em 2025, coloca o Brasil em posição estratégica no debate global sobre justiça climática e desenvolvimento sustentável. Dessa forma, ao sediar o principal fórum internacional de discussão sobre clima, no coração da Amazônia, o país assume não apenas responsabilidade ambiental, mas também o compromisso de conduzir uma agenda alinhada às diretrizes internacionais de sustentabilidade e direitos humanos. A crise climática, ao se intensificar, revela-se como um desafio de cidadania que evidencia desigualdades históricas. Como mostram dados do PNUD (2023), 70% das pessoas mais vulneráveis a eventos climáticos extremos vivem em regiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano, e os impactos recaem com maior peso sobre grupos que historicamente tiveram menos acesso a infraestrutura, proteção ambiental e oportunidades de adaptação. Essa assimetria evidencia que a emergência climática não se distribui de forma igual: ela aprofunda desigualdades pré-existentes e afeta de maneira mais intensa aqueles com menor capacidade de resposta ao problema.
Cidadania climática e o direito ao futuro: educação como fundamento democrático
É nesse contexto que emerge o conceito de “direito ao futuro”, expressão que ecoa o princípio da solidariedade intergeracional presente no artigo 225 da Constituição Federal, segundo o qual todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A leitura desse dispositivo como eixo educativo permite reinterpretar o meio ambiente não apenas como patrimônio natural, mas como bem jurídico indissociável da dignidade humana. Ao reconhecer que a defesa ambiental é responsabilidade compartilhada, o texto constitucional fundamenta a necessidade de formação cidadã como condição para o exercício pleno desse direito. Nas palavras de Paulo Freire (1996), “não há transformação sem consciência”, o que indica que compreender a realidade climática é pré-requisito para contribuir com soluções possíveis e sustentáveis.
A educação, nesse cenário, torna-se ferramenta de emancipação e de fortalecimento democrático. Relatórios da UNESCO (2023) mostram que apenas 39% dos currículos escolares no mundo incluem educação climática de forma sistemática, e que menos de 20% dos estudantes afirmam ter recebido instrução sobre adaptação e mitigação. No Brasil, embora a BNCC trate da sustentabilidade como competência essencial, sua implantação é desigual: escolas de regiões periféricas frequentemente carecem de formação docente, materiais pedagógicos e infraestrutura para projetos ambientais. Ainda assim, pesquisas do IBGE (2022) revelam que 79% dos jovens brasileiros consideram o clima uma das principais preocupações da atualidade, mas apenas 28% afirmam entender como participar de decisões públicas relacionadas ao tema. Esse descompasso entre interesse e capacidade de ação reforça a urgência de uma educação que desenvolva competências críticas, habilidades socioemocionais e consciência política.
Como a escola e os territórios formam sujeitos capazes de enfrentar a crise climática
A cidadania climática, entendida como a capacidade de compreender, reconhecer responsabilidades e exercer direitos ambientais, é construída por meio de práticas educativas que conectem teoria e ação. Projetos escolares como hortas urbanas, monitoramento comunitário da qualidade do ar, feiras científicas sobre impacto climático e simulações da COP desenvolvem pensamento crítico e senso de responsabilidade coletiva. Iniciativas de educação comunitária, conduzidas por organizações da sociedade civil, ampliam esse processo ao promover formações sobre governança ambiental, orçamentos públicos, direitos territoriais e participação social em temas ambientais. Tais práticas dialogam diretamente com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: o ODS 4, que propõe uma educação inclusiva e promotora de competências para o desenvolvimento sustentável, e o ODS 13, que convoca os países a fortalecerem mecanismos de educação, conscientização e participação pública na ação climática. Como afirma Amartya Sen (1999), ampliar capacidades humanas é ampliar liberdade – e, portanto, fortalecer a cidadania ambiental é fortalecer a liberdade de existir em um planeta habitável.
A articulação entre educação e democracia também envolve o fortalecimento da cultura da legalidade, compreendida como o conjunto de valores, práticas e disposições que sustentam o respeito às normas e o engajamento coletivo para sua efetivação. Bobbio (1992) destaca que a democracia depende não apenas da existência de leis, mas da formação de cidadãos capazes de exigi-las e cumpri-las. No campo ambiental, essa premissa é ainda mais relevante, uma vez que a efetividade das políticas públicas depende da vigilância social, da participação qualificada e da capacidade de grupos vulneráveis de reivindicar seus direitos. Assim, compreender o artigo 225 da Constituição, o Sistema Nacional do Meio Ambiente, os instrumentos de participação social e os compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção-Quadro das Nações Unidas não é apenas conteúdo jurídico, mas ferramenta de proteção da vida e dos territórios.
Quando estudantes se apropriam da legislação ambiental e entendem como decisões são tomadas, tornam-se sujeitos ativos na governança climática. Experiências conduzidas por OSCs brasileiras – como formações sobre monitoramento de políticas públicas, cursos de liderança ambiental juvenil e projetos de fiscalização cidadã, demonstram que o conhecimento jurídico transforma a relação das pessoas com seu território e fortalece a democracia ambiental. Esse processo revela a educação como campo de construção simbólica e prática, no qual compreender a narrativa sobre o clima e sobre o futuro significa compreender também os caminhos de participação social disponíveis.
Cultura da legalidade, participação social e o papel da educação na governança ambiental
Diante dos desafios da transição energética, da adaptação climática e da justiça social, todos intensificados nos debates da COP 30, escolas e organizações sociais assumem papel estratégico na construção de uma cidadania climática conectada aos territórios. Elas funcionam como espaços de aprendizagem crítica, de exercício da participação democrática e de construção de valores que sustentam um futuro sustentável. Se a crise climática é, como afirmam diversos pesquisadores, uma crise de imaginação política, então a educação torna-se o meio mais poderoso para pensar coletivamente alternativas para um futuro sustentável.
Por isso, mais do que informar, educar para o clima significa formar sujeitos capazes de reconhecer desafios e colaborar na construção de soluções possíveis. Significa reconhecer que o direito ao futuro não se realiza apenas na lei, mas na prática cotidiana, na sala de aula, na comunidade, nas instituições e nas políticas públicas. A síntese desse compromisso ético, jurídico e pedagógico se expressa na seguinte afirmação: educar para o planeta é educar para o direito.
Nesse contexto, a interseção entre clima, educação e direitos é central em programas como o Compartilhando Direitos, do Instituto Nelson Wilians, que traduz princípios constitucionais em práticas pedagógicas acessíveis e aplicáveis ao cotidiano escolar e de organizações sociais. A formação cidadã, aprendida, percebida e ativa, fortalece a capacidade de resposta de educadores e juventudes diante dos desafios socioambientais.
A atuação territorial, baseada em evidências e planejamento, fortalece a capacidade de resposta e reduz o risco de que as mudanças climáticas aprofundem desigualdades e comprometam oportunidades para quem hoje aprende, trabalha e projeta seu futuro.
Para apoiar gestores e educadores, o Instituto NW disponibiliza gratuitamente o Módulo 12
– Sustentabilidade e Questões Ambientais, do projeto Compartilhando Direito, com textos, propostas de debate e atividades que articulam educação, cidadania e sustentabilidade.
Referências
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022.
PNUD. Human Development Report 2023. Nova York: United Nations Development Programme, 2023.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. UNESCO. Education for Sustainable Development – Progress Review 2023. Paris: UNESCO, 2023.
