Um marco civilizatório na proteção da infância
Desde 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se consolidou como um marco civilizatório no ordenamento jurídico brasileiro. Sua promulgação, por meio da Lei nº 8.069/1990, concretizou o artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Esse artigo estabeleceu, de forma inovadora, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais da criança e do adolescente.
Da tutela à proteção integral
Além disso, o ECA rompeu com o paradigma correcionalista do antigo Código de Menores (1927 e 1979). Como destaca Antônio Carlos Gomes da Costa, um dos principais articuladores do Estatuto, essa mudança marcou a transição de uma perspectiva tutelar para uma abordagem emancipatória. Ou seja, crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos e responsabilidades.
A importância das políticas públicas
O ECA também estabelece, nos artigos 3º e 4º, obrigações positivas ao poder público. Isso significa formular políticas públicas intersetoriais que garantam, de forma universal, o acesso à vida, saúde, alimentação, educação, cultura, lazer e convivência familiar e comunitária. Como afirma Marisa Vorraber Costa, a educação ocupa papel central nessa estrutura de proteção. Consequentemente, políticas educacionais bem implementadas têm potencial para reduzir desigualdades estruturais.
Sistema de garantia de Direitos: uma rede articulada
Outro ponto importante é o Sistema de Garantia de Direitos (SGD), previsto no artigo 88 do ECA. Essa rede integra Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares, Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário e sociedade civil. Segundo Fábio Konder Comparato, a efetividade do SGD é um exemplo concreto de democracia participativa, pois se ancora no controle social e na participação comunitária.
Compromissos internacionais reforçam o Estatuto
O ECA também está alinhado a importantes tratados internacionais. Entre eles estão a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU), a Recomendação nº 200 da OIT e as Diretrizes de Riad. Esses compromissos reforçam o papel do Brasil na promoção dos direitos humanos.
Desafios persistem mais de 30 anos depois
No entanto, ainda existem muitos desafios. Relatórios do UNICEF (2023) e do IPEA (2022) revelam dados preocupantes, como evasão escolar, violência letal juvenil e trabalho infantil. Candido Alberto Gomes aponta que essa distância entre a legislação e a realidade institucional ainda é grande. Além disso, Mary Beloff reforça a importância de políticas preventivas e medidas socioeducativas como formas de evitar a judicialização precoce da juventude.
A escola como espaço de escuta e protagonismo
No campo da educação, pesquisadores como Abramovay e Carrano defendem que o ambiente escolar deve ser um espaço de escuta ativa e participação. Isso está previsto no artigo 53 do ECA. Em outras palavras, a escola deve reconhecer as crianças como sujeitos sociais ativos, como destaca Manuel Sarmento e a sociologia da infância.
Recursos e articulação: fundamentos da proteção
A proteção integral, portanto, não depende apenas da existência de leis. Como mostram Irene Rizzini e Francisco Pilotti, ela requer recursos financeiros, formação continuada e articulação entre diferentes esferas de governo. Um exemplo claro disso é o déficit de infraestrutura nos Conselhos Tutelares, apontado pelo IPEA.
O ECA como inspiração para outras legislações
Dessa forma, o princípio da prioridade absoluta previsto no ECA irradia-se para legislações como o Estatuto do Idoso e o Marco Legal da Primeira Infância. Como afirma Maria do Rosário Ramalho Ortigão, o ECA inspira a criação de políticas inclusivas voltadas a grupos em situação de vulnerabilidade.
Um compromisso com o presente e com o futuro
Por fim, revisitar o ECA é mais do que um exercício legal: é uma reafirmação de compromissos. O Estatuto continua sendo uma referência para quem luta por uma infância protegida, uma juventude protagonista e uma sociedade democrática. Seu legado permanece vivo nas ações de instituições como o Conanda, o UNICEF, o Instituto Alana, o IBDCRIA e a ABRAMINJ.
