Uma perspectiva sobre a luta feminina e a conquista do direito ao voto no Brasil

Em mais um Dia Internacional das Mulheres, há muito o que se debater.[1] Afinal, somos bombardeados diariamente pela presente desigualdade de gênero – psicológica, física, sexual, patrimonial e moral. E, mesmo diante desta realidade, as mulheres se mantém na luta pela garantia de seus direitos, que muitas vezes são desrespeitados.

Um deles é o sufrágio universal – direito ao voto -, que, infelizmente, demorou um longo tempo para se concretizar mundo afora, e mais ainda no Brasil. Pensando nisso, desenvolvemos uma reflexão histórico-social que aborda o viés da luta feminina para alcançar essa conquista.

Junte-se a nós em uma “viagem no tempo” e entenda todos os passos que percorremos para chegar ao cenário atual!

O contexto histórico

A ideia de que “todos são iguais perante a lei” levou anos e anos para ser de fato considerada. Prova disso, é que inicialmente esse direito era restrito somente à esfera política, excluindo muitos homens, e todas as mulheres. E isso limitava consideravelmente o alcance do conceito de cidadania. Conforme De Novaes Marques, (2019, p. 9)[2]:

(…) em pleno século XVIII, nem todos os homens foram considerados iguais entre si para o exercício de funções públicas. O mesmo aconteceu com as mulheres, que, consideradas inaptas a participar das decisões políticas, receberam tratamento jurídico desigual.

Somente durante a Revolução Francesa que a questão da participação feminina começou a ser discutida, com a proposição de que os governos deveriam respeitar a vontade de todos os seus cidadãos. De Novaes Marques afirma (2019, p. 14)[3] que, em agosto de 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

O documento definia que todos os homens nasciam livres e tinham direitos iguais e estabelecia um conjunto de direitos nos quais nenhum governante, sob qualquer motivo, podia privar o cidadão de ser livre, ter propriedade, ter segurança e de resistir à opressão.

Ao longo da história das civilizações humanas, sempre houve critérios de exclusões e barreiras ao alcance da cidadania plena. raça, classe social, gênero. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de agosto de 1789, distintivamente, excluía as mulheres das conquistas dos direitos e deveres resultantes da Revolução.

Algumas mulheres, conscientes dos eventos políticos, começaram a questionar o porquê de certos direitos não se estenderem a elas. Entre as vozes notáveis desse movimento, destaca-se Olympe de Gouges, que de acordo com De Novaes Marques (2019, p. 14)[4], em setembro de 1791, publicou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Nesse texto, Gouges criticou a Declaração Francesa de 1789 e defendeu ideias que, hoje, são consideradas justas, mas que, na época, provocaram estranheza.

No mesmo período, Jean-Jacques Rousseau publicou seu livro Emílio [5], ou Da Educação, no qual afirmou que, por serem intelectualmente inferiores aos homens, as mulheres deveriam receber uma instrução superficial, com ênfase na educação moral em vez de preparo para o pensamento crítico.

Por outro lado, a escritora inglesa Mary Wollstonecraft publicou “A Reivindicação dos Direitos da Mulher [6]“, em que contestou as ideias de Rousseau e criticou as práticas sociais que mantinham as mulheres ignorantes e incapazes de entender questões políticas. Ela argumentou que a educação insuficiente era a causa principal, e que isso limitava as oportunidades de trabalho para as mulheres, que eram frequentemente confinadas ao cuidado de pessoas e serviços domésticos.

Sufrágio universal no Brasil

Esse contexto histórico da França foi importantíssimo para a disseminação desses questionamentos no Brasil. Um dos exemplos disso é a escritora potiguar Nísia Floresta, que fez uma tradução livre da obra de Mary Wollstonecraft[7] – livro que foi um marco para a luta das mulheres por revelar os prejuízos causados pela exclusão das mulheres das esferas públicas e da negação de seus direitos básicos, como o acesso à educação formal.[8] Outro ponto importante foi a Constituição de 1824, que, segundo De Novaes Marques (2019, p. 29)[9], trouxe o conceito de cidadãos ativos: definidos como pessoas livres, maiores de 25 anos e com renda anual mínima.

Nas eleições, apenas os cidadãos ativos com renda anual mínima participavam. De Novaes Marques (2019, p. 30)[10] descreve a primeira tentativa de reforma em território brasileiro: em 1827, a escola passou a aceitar matrículas de meninas; em 1831, Manuel Alves Branco e José Bonifácio elaboraram um projeto de lei que mudava a forma de fazer eleições no país, considerando chefes de família em vez de cidadãos ativos.

Defensores do voto universal enfrentaram resistência de muitos que acreditavam que nem todas as pessoas conseguiam fazer boas escolhas políticas, especialmente mulheres, que supostamente não tinham opinião própria. Tanto que, somente em 1879, conseguiram acesso às universidades.

De Novaes Marques (2019, p. 55)[11] aponta que em 1880, a Lei Saraiva aumentou a qualificação dos eleitores, reduzindo o número de votantes, e a nova lei eleitoral abriu a possibilidade de mulheres diplomadas votarem. Em 1889, encerrou-se a Monarquia e os republicanos convocaram uma Assembleia Constituinte, mas o projeto não mencionava se as mulheres poderiam votar. Em 1891, os deputados Lopes Trovão, Leopoldo Bulhões e Casimiro defenderam que o direito de votar fosse estendido a mulheres diplomadas, desde que elas não fossem casadas. O tema entrou em pauta na primeira discussão do projeto, em janeiro de 1891, quando Zama se aliou ao deputado Sá Andrade para apresentar uma emenda favorável ao voto das mulheres. A professora Josefina Álvares de Azevedo começou a publicar o jornal sufragista A Família em 1888.[12]

Assim, De Novaes Marques (2019, p. 67)[13] demonstra que em 1891, a Constituição brasileira não proibiu explicitamente as mulheres de votar, mas também não deixou claro seu direito. Por isso, em 1910, Leolinda Daltro fundou o Partido Republicano Feminino no Rio de Janeiro e, em 1916, uma professora chamada Mariana Horta solicitou formalmente o direito de voto à Câmara dos Deputados. Em 1919, dois projetos de lei foram apresentados no Senado, mas ambos foram rejeitados. Bertha Lutz, Jerônima Mesquita, Maria Eugênia Celso, Mirtes Campos, Maria Lacerda de Moura, Carmen Portinho e Stella Duval fundaram a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher no Rio de Janeiro, que evoluiu para a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) em 1922.

A advogada Diva Nazário publicou em 1923, a obra “Voto Feminino e Feminismo: Um Ano de Feminismo Entre Nós[14]” em defesa da igualdade legal entre homens e mulheres. Embora o projeto de lei tenha voltado à pauta do Senado em 1927, ele foi novamente rejeitado.

Por fim, De Novaes Marques (2019, p. 107)[15] afirma que em 1930, Getúlio Vargas chegou ao poder. Após todo esse percurso, em junho de 1931, ele recebeu com simpatia as delegadas do Segundo Congresso Internacional Feminista. E, posteriormente, constituiu uma comissão de juristas para reformar a legislação eleitoral em favor do sufrágio universal das mulheres – fato que representa um avanço nos direitos das brasileiras até hoje. A construção da história do Brasil, não se pode omitir a participação da mulher, a fim de que possamos desfazer aquilo, que outrora falou uma das principais líderes feministas: “Toda a história das mulheres foi escrita pelos homens[16]

Conclusão

Mesmo que a legislação atual garanta proteção para pessoas de todos os gêneros, é importante reconhecer que a força do movimento foi fundamental para tornar essa realidade possível na sociedade. A trajetória da luta por igualdade é uma conquista que deve ser comemorada diariamente e não podemos desanimar diante dos obstáculos que ainda precisam ser superados. A busca por uma sociedade justa e igualitária é um processo contínuo, que exige dedicação e empenho constantes.

Em apoio a essa luta, o Instituto Nelson Willians (braço de investimento social do Nelson Willians Advogados) trabalha com diversos projetos focados em aumentar a igualdade social – incluindo a de gênero. Por meio da Educação e do Direito, seus programas e projetos possuem um objetivo em comum: a democratização de oportunidades no Brasil.


[1] BLAY, Eva Alterman. Ensaio. 8 de março: Conquistas e controvérsias. Estudos Feministas, n.2, 2001, pp 601-607.

[2] DE NOVAES MARQUES, Teresa Cristina. O voto feminino no Brasil. Edições Câmara, 2019.

[3] DE NOVAES MARQUES, Teresa Cristina. O voto feminino no Brasil. Edições Câmara, 2019.

[4] DE NOVAES MARQUES, Teresa Cristina. O voto feminino no Brasil. Edições Câmara, 2019.

[5] ROUSSEAU, Jean-Jaques. MILLIET. Emílio ou da Educação. Trad. de Sérgio Milliet, v. 3, 1992.

[6] WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. Boitempo Editorial, 2017.

[7] AUGUSTA, Nísia Floresta Brasileira. Direitos das mulheres e injustiça dos homens- Introdução, notas e posfácio de Constância Lima Duarte. São Paulo: Cortez, 1989.

[8] BEAUVOIR Simone. O segundo Sexo. Fatos e Mitos. Vol. 1. Tradução Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 12ª impressão. 2002.

[9] DE NOVAES MARQUES, Teresa Cristina. O voto feminino no Brasil. Edições Câmara, 2019.

[10] DE NOVAES MARQUES, Teresa Cristina. O voto feminino no Brasil. Edições Câmara, 2019.

[11] DE NOVAES MARQUES, Teresa Cristina. O voto feminino no Brasil. Edições Câmara, 2019.

[12] HAHNER, June E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas:1850-1837. São Paulo: Ed. Brasiliense. 1981.

[13] DE NOVAES MARQUES, Teresa Cristina. O voto feminino no Brasil. Edições Câmara, 2019.

[14] NAZARIO, Diva Nolf. Voto feminino & feminismo. Imprensa Oficial, 2009.

[15] DE NOVAES MARQUES, Teresa Cristina. O voto feminino no Brasil. Edições Câmara, 2019.

[16] BEAUVOIR, Simone. O segundo Sexo. A Experiência Vivida. Vol. 2. Tradução Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 9ª impressão. 1999