Publicado em 31 de julho de 2020, por Paula Santana, em GPS Lifetime
Informações divulgadas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos parecem confirmar o que diversas autoridades incluindo a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, já vinham apontando: a necessidade das pessoas permanecerem mais tempo em casa devido à pandemia da Covid-19 pode estar contribuindo para o aumento da violência doméstica contra mulheres.
Comparativamente, o número de denúncias registradas pelo Ligue 180 em março deste ano foi 15% superior ao de março de 2019. Em meio a este cenário, o Projeto Justiceiras surgiu como uma resposta ao aumento dos casos de violência neste período de isolamento social. A inciativa tem como objetivo oferecer acompanhamento às mulheres vítimas de violência física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial.
O programa é uma iniciativa dos Institutos Nelson Wilians, Bem Querer Mulher e Justiça de Saia, com o objetivo de colaborar para que a violência contra as meninas e mulheres diminua, além de não ser esquecida ou subnotificada.
De acordo com levantamento realizado pelo programa, 52% das vítimas não pediam ajuda aos órgãos públicos ou para o sistema de Justiça. Além de lidar com problemas externos, outro dado relevante que corrobora para o cenário negativo é de que 45% das vítimas moram com o agressor e muitas delas relatam sofrer chantagens e ameaças ao tentarem romper os relacionamentos, o que as leva a ter medo do término da relação. Assim, o Justiceiras se propõe a acolher e fortalecer a vítima para que ela se sinta preparada o suficiente para formalizar uma denúncia nos órgãos competentes.
Em três meses, o projeto já atendeu mais de 1.120 mulheres em situação de vulnerabilidade. As vítimas pedem ajuda por WhatsApp e recebem orientação de profissionais voluntárias das áreas jurídica, médica, psicológica, de assistência social e da rede de acolhimento. O Programa conta atualmente com cerca de 2.500 voluntárias.
Importância do acolhimento
A antropóloga Beatriz Accioly Lins é uma das voluntárias e faz o acompanhamento dos dados coletados. A partir deles, foi possível notar que pedidos de ajuda já foram registrados em 23 estados e no Distrito Federal. Dos pedidos, 58% foram feitos no estado de São Paulo, sendo 75% destes na Grande São Paulo. Outros estados que se destacam são Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Paraná.
A advogada Anne Wilians, presidente do Instituto Nelson Wilians e uma das fundadoras do Justiceiras, acredita que, mesmo com índices tão altos de pedidos de ajuda e denúncias, o programa ainda não chegou a muitas cidades e alguns estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.
“Mesmo sabendo que a violência contra a mulher aumentou no período do isolamento, nós ainda não recebemos nenhum caso do Acre, Amapá e Roraima, por exemplo”, ressalta Anne. “Todas as vezes que divulgamos o contato do programa há um aumento nos pedidos de ajuda. Ou seja, as mulheres estão em busca de canais de proteção neste momento”, acredita.
De acordo com Anne Wilians, existe hoje uma normatização de comportamentos violentos e, consequentemente, criminosos. “Com isso, temos os filhos da violência que trazem estes comportamentos enraizados e propagam os comportamentos abusivos. Dentro do nosso programa, nós percebemos vítimas que nunca procuraram ajuda e, aqui, nós temos três possibilidades: algumas vezes por elas não saberem qual caminho percorrer para conseguir ajuda, pela vergonha de se expor ou mesmo por desconhecer a sua situação de vítima.”
Vencendo obstáculos
A antropóloga Beatriz Accioly Lins explica que, quando as mulheres decidem buscar ajuda, passam por diversos obstáculos. “O primeiro é interno, é ela admitir para si que o que está acontecendo é uma violação dos seus direitos. O segundo obstáculo que essa mulher tem que transpor é o de ser acreditada quando conta o fato para amigos e pessoas ao seu redor. A vergonha que ela sentia de admitir até para si própria não é infundada, pois muitas pessoas relativizam quando ela expõe uma situação de violência, tentam justificar o comportamento da vítima e não a atitude do agressor. Um terceiro obstáculo é prático, já que muitos municípios brasileiros não têm uma Delegacia de Defesa da Mulher ou Centro de Referência. O quarto obstáculo é a falta de informação sobre em qual órgão competente a vítima deve buscar ajuda. E o quinto obstáculo, que infelizmente acontece com mais frequência do que a gente gostaria, é que essas mulheres são mal atendidas, desacreditadas e revitimizadas nestes espaços”, explica Accioly.
O projeto Justiceiras busca oferecer acolhimento e orientações necessárias para que a mulher vítima de violência ultrapasse esses empecilhos. “Nesse sentido, contamos com a sociedade civil e os meios de comunicação para que contribuam com a divulgação do programa, que é gratuito e está salvando e transformando a vida de muitas mulheres e grupos familiares”, complementa Anne Wilians.
As vítimas de violência podem solicitar ajuda ao Projeto Justiceiras pelo WhatsApp: (11) 99639-1212. As profissionais que se identificarem com o projeto também podem se voluntariar por meio do site.
*Com informações da Agência Brasil