Artigo escrito por Dra. Athena (Advogada e membro do NWGroup MT) e Dr. Marcel (Advogado do NWADV SP), ambos membros do Comitê INW.
Igualdade de gênero sempre foi um tema relevante, principalmente considerando que as mulheres foram, durante séculos, privadas de direitos básicos. Mesmo assim, somente nos últimos anos esse assunto vem ganhando maior visibilidade, com matérias e reportagens na mídia, debates na sociedade civil e a criação de políticas públicas. Porém, mesmo com tantos recursos e informações à disposição nos dias de hoje, o fato é que ser mulher ainda tem um custo alto: é necessário um esforço muito maior para garantir direitos básicos, como a ascensão profissional, igualdade salarial e autonomia financeira.
O direito ao voto, por exemplo, foi concedido às mulheres em 1932 e legalizado em 1934, mas era opcional. Somente 33 anos depois, em 1965, o voto feminino tornou-se obrigatório, equiparando-se ao direito dos homens. Sem falar da liberdade sexual, que veio com o desenvolvimento dos métodos contraceptivos nos anos 1970, mas que ainda é tabu em algumas culturas e religiões.
Essas são apenas algumas das lutas históricas protagonizadas por mulheres no mundo todo, cujo objetivo era reivindicar conquistas políticas e sociais que permitiriam a emancipação feminina.
As lutas do passado não foram em vão, e suas conquistas foram fundamentais para que as mulheres tenham agora uma maior representatividade na política e pudessem ocupar cargos de liderança nas empresas, tendo uma vida independente dos homens e sendo mais respeitadas na sociedade de modo geral. No entanto, não se trata apenas de criar leis que defendam os seus direitos. Para que a equidade de gênero realmente aconteça, é necessário que haja também uma transformação social e cultural.
Muito além da conquista de direitos
Basta fazer uma rápida pesquisa para perceber que ainda temos um longo caminho pela frente quando o assunto é equidade de gênero. Você sabia que, de acordo com registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) no Ministério da Saúde, em 2020, a cada quatro minutos, uma mulher foi agredida por um homem no Brasil? Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o país também é considerado o quinto com maior número de feminicídios no mundo: entre 2016 e 2018, foram contabilizadas mais de 3,2 mil mortes de mulheres.
A lei Maria da Penha (11.340/2006), criada para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher, e a do Feminicídio (13.104/2015) – que tipifica os assassinatos de mulheres por razões da condição do sexo feminino como homicídio qualificado – são importantes marcos para o fortalecimento de políticas de proteção às mulheres e para o combate à violência contra elas, entretanto, essas medidas não têm sido suficientes para solucionar o problema.
Durante a pandemia da Covid-19 e o isolamento social, a violência contra a mulher aumentou ainda mais. Segundo dados da pesquisa Visível e Invisível – a vitimização das mulheres no Brasil, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – 3ª edição – 2021, 4,3 milhões de mulheres (6,3%) foram agredidas fisicamente com tapas, socos ou chutes. Isso significa que, a cada minuto, 8 mulheres apanharam no Brasil durante a pandemia. Além disso, o tipo de violência mais frequente é a verbal, como xingamentos e insultos, algo relatado por 18,3%.
Números como esses escancaram uma realidade assustadora: a constante inferiorização da mulher. Ou seja, na sociedade brasileira, as ações das mulheres só são consideradas legítimas se forem validadas por um homem. Isso coloca as mulheres em relações profundamente abusivas. Geralmente, elas se responsabilizam não só pela obtenção, mas pela manutenção das relações, e os homens são profundamente protegidos por esse modelo social.
Nesse cenário, a educação pode ser considerada um dos pilares principais para o desenvolvimento de uma sociedade que combata o machismo – forma de opressão das mulheres que intensifica a violência de gênero.
Os desafios para a mulher no mercado de trabalho
No quesito profissional, a maioria das brasileiras ainda trabalha na informalidade – o que acarreta desvantagem nos ganhos salariais – além de terem menor representatividade nos cargos de liderança. A diferença em relação ao salário dos homens ainda é grande: em 2018, mulheres ganhavam 79,5% do que eles recebiam, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea).
Por outro lado, as desigualdades de gênero nas carreiras científicas vêm se reduzindo. Entre os 77,8 mil pesquisadores brasileiros nas cinco maiores áreas do conhecimento que declaram ter doutorado na Plataforma Lattes, 40,3% são mulheres. Elas também têm participação cada vez maior na ciência: 72% dos artigos publicados no Brasil entre 2014 e 2017 foram assinados por pesquisadoras, de acordo com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Ao ocupar espaços de protagonismo no ambiente acadêmico, elas têm a oportunidade de alavancar em suas produções científicas mecanismos para o enfrentamento ao machismo.
Para atingir a equidade de gênero no trabalho, temos de pensar em várias frentes. Uma delas são leis que visam garanti-la. Por exemplo, no caso de mulheres que acabaram de ter filhos e estão na fase de amamentação, quais tipos de políticas poderiam garantir a continuidade de acesso ao mercado de trabalho, divisão mais igualitária (dos cuidados da criança) e paternidade responsável? Visto que a paternidade negligente é algo comum na nossa cultura.
Nesse sentido, a discussão da saúde mental dentro dos estudos dos direitos das mulheres e de gênero também é muito importante, porque, em geral, a violência de gênero leva ao adoecimento psíquico. As mulheres aprendem a ser interpeladas a não causar conflito, a não nomear seu mal-estar, a se responsabilizar pelo bem-estar do outro e, muitas vezes, implodem psiquicamente. Em uma sociedade em que a violência contra a mulher é tão recorrente – uma em cada três já sofreu algum tipo de violência pelo simples fato de ser mulher – ainda não temos mecanismos suficientes de atendimento e de nomeação da especificidade desse sofrimento.
Muitas mulheres vítimas de violência buscam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), mas não encontram a escuta necessária para qualificar esse sofrimento. E, muitas vezes, elas também não são reencaminhadas para a rede de atendimento à violência contra a mulher porque não se detecta a violência como sendo um fator preponderante causador do problema. Temos que pensar nesses aspectos sociais que geram sofrimento.
Para alcançar a igualdade de gênero, é necessário promover a troca de informações entre as mulheres e a conscientização sobre seus direitos. Fazer com que todas tenham consciência do valor e da força transformadora que têm é essencial para desenvolver uma educação libertadora, que seja autogestionada pela comunidade consciente de seus direitos.
De um modo geral, as mulheres ainda têm amarras emocionais que são resquícios do machismo estrutural. Entre os principais desafios está a eliminação dessas amarras e a necessidade de todas ficarem atentas para não reproduzir comportamentos ou ideias que levem à submissão ou ao abuso emocional.
Definitivamente, a equidade de gênero precisa se tornar uma questão não somente das mulheres, mas dos homens, empresas, governos e instituições. Esta é uma condição para que possamos viver em uma sociedade mais justa e pacífica.