O que é feito no Brasil para garantir o direito das mulheres: avanços e legislações

Este texto teórico tem como objetivo embasar o plano de atividades propostas para as dinâmicas sobre direitos das mulheres. Ele deve ser lido antes da aplicação das dinâmicas, como forma de fornecer base teórica e um pequeno histórico dos direitos das mulheres no mundo e, mais especificamente, no Brasil, focalizando algumas leis chave que podem ajudar no processo de difusão do conhecimento e da informação. É necessário buscar maneiras de engajar os participantes e estimular seu desenvolvimento, e foi com esse foco que o presente texto foi construído. Ele deve ser lido de maneira livre, sem que as informações aqui presentes sejam passadas ipsis literis aos grupos participantes das dinâmicas. Esperamos que as informações aqui presentes funcionem para embasar o Plano de Atividades e ajudem os coordenadores das dinâmicas a construírem os melhores processos possíveis.

Introdução

Foi em 1791 que Olympe de Gouges [1748-1793], ativista política francesa, publicou pela primeira vez a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Nela se lê, logo no art. I, que “A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem”[i]. A Declaração, escrita no âmbito da Revolução Francesa, foi o primeiro documento moderno de defesa dos direitos das mulheres. Um ano depois, em 1792, a escritora inglesa Mary Wollstonecraft [1759-1797] escreveu “Reivindicação dos Direitos da Mulher”, argumentando contra a opressão das mulheres[ii]. Ambos, tanto o documento quanto o livro, foram construídos em um contexto em que as mulheres eram consideradas inferiores aos homens – apesar das ideias iluministas promulgadas pela Revolução Francesa, que declaravam a igualdade de direitos entre todos. Nesse momento histórico, ‘todos’ se referia apenas aos homens.

Passou-se mais de um século entre estas publicações e os primeiros grandes eventos feministas do século XX. Era 1909 em Nova York quando aproximadamente 15 mil mulheres marcharam nas ruas da cidade pedindo por melhores condições de trabalho. O ato teve tanta força que deu origem ao “Dia Nacional da Mulher” nos Estados Unidos[iii]. Foi o primeiro movimento de uma série. Do outro lado do Atlântico, dois outros momentos cruciais aconteceram ainda na mesma década. Em 1910, quatro países europeus – Áustria, Dinamarca, Suíça, e Alemanha – instituíram uma jornada de manifestações anuais pelos direitos das mulheres[iv], dando origem assim ao “Dia Internacional da Mulher”. Seis anos depois, em 1917, uma manifestação de operárias russas deu início à Revolução Russa[v].

Como se vê, muitas coisas aconteceram desde a Declaração de Olympe de Gouges – mas as desigualdades perduram. Ainda hoje, no contexto brasileiro, nos deparamos com diversas situações de disparidade e violência que colocam as mulheres em posição inferior aos homens. Em 2023, o Brasil estava na 94º colocação no Ranking de Desigualdade de Gênero do Fórum Econômico Mundial[vi]. Já o Índice Global de Paridade de Gênero, formulado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mostra uma grande disparidade entre homens e mulheres no país: os indicadores femininos são 32% mais baixos que os masculinos[vii]. Os dados quanto à violência de gênero são especialmente alarmantes: pesquisa de 2022 mostrou que 47% das brasileiras já haviam sofrido assédio sexual[viii]; no ano seguinte, os dados apontam que uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 15 horas no Brasil[ix]. Isso soma 586 mulheres mortas apenas por serem mulheres durante o ano de 2023.

Legislações e direitos das mulheres

É dentro deste contexto sócio-histórico que foram construídas diversas leis para dar amparo às mulheres brasileiras, com a função de auxiliar aquelas que passam por situações de violência e desigualdade unicamente por seu gênero. Desde 1984 vem sendo promulgadas leis nesse sentido no país[x], com o decreto 89.460/84, quando o Brasil passou a ser signatário da “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”[xi]. Um ano depois, em 1985, foi criado o Conselho Nacional Dos Direitos da Mulher, que permitiu o debate da sociedade civil sobre o tema das mulheres na sociedade. O Conselho deu origem ao “Lobby do Batom”, que levou as mulheres a ter um papel ativo durante o processo de construção da Constituição de 1988, que ficou conhecida como a Constituição Cidadã. O “Lobby do Batom”, que trabalhou juntos dos parlamentares da época, foi o responsável por garantir diversos avanços nas legislações voltadas às mulheres no país[xii].

Anos depois da promulgação da Constituição democrática, em 2003, passa a valer a Lei nº 10.778/03, que obriga os serviços de saúde a notificarem casos de violência de gênero. Dez anos se passam antes de entrar em vigor a Lei do Minuto Seguinte, Lei nº 12.845/13[xiii]. Sua importância é imensa, pois é através dela que se torna possível garantir às mulheres vítimas de violência atendimento obrigatório e integral no âmbito da saúde. Isso significa que hospitais, postos de saúde, e quaisquer outros equipamentos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) são obrigados a prestar atendimento imediato às mulheres que os procurarem por serem vítimas de violência. A Lei do Minuto Seguinte garante ainda mais: as mulheres que procuram o SUS também tem garantido o direito de ajuda psicológica e de profilaxia contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs – o texto da lei ainda usa o nome Doença Sexualmente Transmissível, ou DST, que saiu de uso).

A tipificação do Feminicídio como crime ocorre em 2015, na esteira da Lei do Minuto Seguinte. Esta nova etapa surge para tentar mitigar os números – que, como já mostrado, são alarmantes – de mortes em razão do gênero no país. Compreende-se que, com uma pena mais dura, o número de homicídios pode cair. Com a Lei nº 13.104/15, o feminicídio – ou, em outras palavras, o homicídio em razão do gênero – passou a constar no Código Penal como uma qualificadora do homicídio per se[xiv]. A ideia por trás da Lei nº 13.104/15 é coibir a discriminação de gênero a partir da tipificação penal, aumentando o tempo de pena e passando a considerar o homicídio com razões de gênero como crime hediondo.

Fazendo um détour no tempo, é necessário voltar a 2001 para falar da Lei nº 10.224/01, que tem como principal objetivo enfrentar o assédio sexual e outros crimes contra a dignidade sexual. Nela, se conceitua o que é assédio sexual: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”[xv], assim como uma pena de detenção de um a dois anos como consequência aos agressores. Recentemente, esta lei ganhou um adicional: a Lei nº 14.540/23, que versa sobre a prevenção e o enfrentamento ao assédio sexual dentro do âmbito da administração pública[xvi]. Juntas, essas leis constroem um corpus bastante qualificado para tratar da violência da mulher no país.

A violência subjetiva: trabalho não pago e a licença paternidade

Nossos códigos não têm apenas leis contra a violência de gênero, mas também contém em si outros direitos. Entre esses, está o caso da licença maternidade e o da licença paternidade. O direito de uma licença ao pai também é considerado benéfico para a mãe, já que o trabalho doméstico e o trabalho de cuidado demandado por uma criança pode ser assim dividido entre ambos. Entende-se assim que os afazeres domésticos e os afazeres voltados às crianças não depreendem apenas afeto e cuidado, mas tratam-se, como diz o nome, de trabalho, que muitas vezes ocorre sem o pagamento devido às partes que o executam[xvii]. Este tipo de violência, apesar de não deixar marcas físicas, causa diversos problemas às mulheres. Hoje, o artigo 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê 180 dias de licença para as mães. O caso é diferente para os pais, que contam com apenas cinco dias corridos de licença, causando sobrecarga às mulheres. Hoje, o Brasil está entre os países com os menores períodos de licença paternidade do mundo[xviii]. Houve, porém, uma mudança no segundo semestre de 2023. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Congresso foi omisso ao não regulamentar a licença paternidade[xix], e agora deve voltar à matéria. Contados do final de setembro de 2023, o Legislativo tem 18 meses para resolver a questão.

O papel da sociedade civil

Como já mencionado, o problema da violência contra a mulher – seja esta violência física ou subjetiva – é bastante grande no Brasil. Falou-se até agora do papel que o Estado exerce para tentar coibir estas violências. Mesmo com diversas leis para aplacar o problema, é possível fazer ainda mais. Para compreender como isso é possível, é necessário olhar para a sociedade civil e seu poder de atuação em rede. Seja a partir de Organizações Não Governamentais (ONGs) ou de Organizações da Sociedade Civil (OSCs), é possível pensar em campanhas educativas de conscientização de direitos, que simplifiquem o acesso às leis. O sociólogo francês Pierre Bourdieu afirma que o campo jurídico é fechado em si mesmo, e por isso conhecer seus signos se torna uma atividade exclusiva para apenas alguns[xx]. Ao criar campanhas de conscientização e cidadania, é possível democratizar o conhecimento e, muitas vezes, até mesmo fazer com que as pessoas percebam que elas podem estar passando por situações de violência. Iniciativas educacionais sobre direitos, facilitadoras e intermediadoras entre os indivíduos e a esfera jurídica, podem ajudar a mitigar os efeitos da hierarquização do conhecimento que existe hoje em nossa sociedade.

Da mesma maneira, projetos de acolhimento se tornam necessários para que as pessoas – principalmente aquelas de camadas mais baixas da população – possam contar com redes de apoio no caso de se verem como vítimas da violência. Em uma etapa posterior, é necessário que estas vítimas sejam recolocadas na sociedade, para que possam dar seguimento às suas vidas.  É importante pensar em tais iniciativas maneira transversal, cobrindo todo o percurso trilhado pela pessoa a ser auxiliada: desde o conhecimento sobre o que pode ser considerado uma violência, passando pelos direitos previstos nas leis brasileiras, pelo acolhimento destas vítimas, até a posterior ajuda para que estas pessoas possam ser reinseridas na sociedade sem que passem por situações vexatórias ou de novas violências. A responsabilidade social quanto à sensibilização e a conscientização do problema passa por diversas etapas, e o trabalho feito por ONGs e OSCs pode acontecer em qualquer etapa do percurso.

Leis de gênero: contradições e esforços para o futuro

Como se vê, há muitas formas de proteção às mulheres no Brasil. Chega-se até mesmo a poder afirmar que o país tem algumas das melhores leis de gênero[xxi]. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), por exemplo, foi considerada uma das três mais avançadas do mundo segundo o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem)[xxii]. Ao mesmo tempo, porém, os números não permitem que nos enganemos quanto ao cenário: vivemos em um dos países mais desiguais e violentos em relação às mulheres. O desafio brasileiro parece ser, cada vez mais, encontrar maneiras de fazer valer as leis que já estão em vigor no país. Para isso, é necessário quebrar o monopólio de quem pode se relacionar com o direito, permitindo que cada vez mais pessoas fiquem cientes das leis que as protegem. Ao mesmo tempo, espera-se que os três poderes continuem a trabalhar em conjunto para resolver pendências nos casos já previstos em lei, como o da já mencionada licença paternidade. Espera-se que o tamanho da licença paternidade aumente, para que os pais possam, assim, dar apoio em casa. O apelo de Olympe de Gouges continua válido, mesmo séculos depois de sua morte: que todos sejam considerados iguais aos olhos da lei, qualquer que seja seu gênero.

Referências:

[i] Fundação Perseu Abramo. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2008/03/27/a-declaracao-dos-direitos-da-mulher-e-da-cidada/

[ii] Wollstonecraft, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres: Edição comentada do clássico feminista. São Paulo: Boitempo, 2016.

[iii] História dos direitos femininos no Brasil e no mundo. Disponível em: https://cidadaniaativa.uff.br/2021/03/05/historia-dos-direitos-femininos-no-brasil-e-no-mundo/

[iv] Ameni, Caue. Conheça Clara Zetkin, a feminista antifascista que impulsionou o Dia Internacional da Mulher. Disponível em: https://autonomialiteraria.com.br/conheca-clara-zetkin-a-feminista-antifascista-que-impulsionou-o-dia-internacional-da-mulher/.

[v] História dos direitos femininos no Brasil e no mundo. Disponível em: https://cidadaniaativa.uff.br/2021/03/05/historia-dos-direitos-femininos-no-brasil-e-no-mundo/

[vi] Com avanço lento, Brasil cai em ranking global de desigualdade de gênero. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/10553/#:~:text=No%20ranking%20de%20desigualdade%20de,Brasil%20ocupa%20o%2094%C2%BA%20lugar.

[vii] Desigualdades entre homens e mulheres persistem em países de alto desenvolvimento humano. Disponível em: https://www.undp.org/pt/brazil/news/desigualdades-entre-homens-e-mulheres-persistem-em-paises-de-alto-desenvolvimento-humano#:~:text=Para%20o%20Brasil%2C%20o%20%C3%ADndice,participa%C3%A7%C3%A3o%20na%20tomada%20de%20decis%C3%B5es.

[viii] 47% das brasileiras indicam ter sofrido assédio sexual. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/47-das-brasileiras-indicam-ter-sofrido-assedio-sexual/.

[ix] A cada 15 horas, uma mulher é vítima de feminicídio no país, diz pesquisa. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/a-cada-15-horas-uma-mulher-e-vitima-de-feminicidio-no-pais-diz-pesquisa/#:~:text=Em%202023%2C%20pelos%20menos%20586,%2C%20Piau%C3%AD%2C%20Maranh%C3%A3o%20e%20Cear%C3%A1.

[x] Cronologia dos Direitos das Mulheres. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/cronologia-dos-direitos-das-mulheres/.

[xi] Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Disponível em: https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/11/SPM2006_CEDAW_portugues.pdf.

[xii] Amâncio, Kerley Cristina Braz. “Lobby do Batom”: uma mobilização por direitos das mulheres. In: Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, nº5 jul-dez, 2013.p.72-85.

[xiii] Lei do Minuto Seguinte. Disponível em: https://leidominutoseguinte.mpf.mp.br/

[xiv] Fernandes, Valéria Diez Scarance. Feminicídio: uma carta marcada pelo gênero. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/437/edicao-1/feminicidio:-uma-carta-marcada-pelo-genero.

[xv] Lei nº 10.224/01. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10224.htm#:~:text=LEI%20No%2010.224%2C%20DE%2015%20DE%20MAIO%20DE%202001.&text=Altera%20o%20Decreto%2DLei%20n,sexual%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.

[xvi] Lei nº 14.540/23. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14540.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2014.540%2C%20DE%203%20DE%20ABRIL%20DE%202023&text=Institui%20o%20Programa%20de%20Preven%C3%A7%C3%A3o,%2C%20estadual%2C%20distrital%20e%20municipal.

[xvii] Federici, Silvia. O Ponto Zero da Revolução: Trabalho Doméstico, Reprodução e Luta Feminista. Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019.

[xviii] Niess, Lucy Toledo das Dores. O Supremo Tribunal Federal e a licença-paternidadeDisponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-28/o-supremo-tribunal-federal-e-a-licenca-paternidade/#:~:text=A%20licen%C3%A7a%2Dpaternidade%2C%20desde%20a,ocasi%C3%A3o%20do%20nascimento%20de%20filho.

[xix] Maioria do STF decide que Congresso aprove lei da licença-paternidade. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/11224/Maioria+do+STF+decide+que+Congresso+aprove+lei+da+licen%C3%A7a-paternidade.

[xx] Bourdieu, Pierre. O Poder Simbólico.

[xxi] Fernandes, Valéria Diez Scarance. Feminicídio: uma carta marcada pelo gênero. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/437/edicao-1/feminicidio:-uma-carta-marcada-pelo-genero.

[xxii] Para ONU, Lei Maria da Penha é uma das mais avançadas do mundo. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/para-onu-lei-maria-da-penha-e-uma-das-mais-avancadas-do-mundo/2110644#:~:text=A%20Lei%20Maria%20da%20Penha,t%C3%AAm%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20o%20tema.

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Plano de atividades

Atividade 1: Introdução ao tema

Descrição da atividade: Apresentação do tema “Diretos das Mulheres”, com reflexão disparadora sobre a ideia de direitos em geral e sobre a especificidade dos direitos para mulheres.

Objetivos: Introduzir a temática dos direitos das mulheres, com ênfase em experiências pessoais das pessoas presentes. A conversa será norteada por vivências dos participantes.

Previsão de desenvolvimento: Entre 1h e 1h30.

Recursos necessários: Impressão de folhas de sulfite com os textos a serem trabalhados; quadro branco, lousa, ou ambiente virtual que permita a construção de mapas mentais, assim como canetinhas, giz, ou acesso à internet, dependendo do aporte escolhido para os mapas mentais.

Textos a serem trabalhados:

(Devem estar impressos para serem entregues aos participantes)

Texto 1:

Para os fins da presente Convenção, o termo “discriminação contra a mulher” significa qualquer distinção, exclusão ou restrição feita com base no sexo que tenha o efeito ou o propósito de prejudicar ou anular o reconhecimento, o gozo ou o exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade entre homens e mulheres, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou em qualquer outro campo.[1]

Texto 2:

Contudo, importa ressaltar que, se a Convenção CEDAW representou importantíssimo reconhecimento dos direitos humanos das mulheres, ainda se está longe de um reconhecimento pleno, global e interseccional, levando em consideração os grandes marcadores estruturais da violência contra as mulheres, que são gênero, raça, classe e sexualidade. Esse documento ainda guarda um grande valor formal, abstrato e geral que, em muito, não tem conseguido alcançar a concretude da vida real das mulheres em toda sua pluralidade e diversidade.

Proteger os direitos de metade da população mundial requer vigilância e atuação contínuas em todos os lugares e por todos os níveis governamentais e não governamentais. Exemplar é o slogan da Liga das Mulheres do Congresso Nacional Africano, que teve o icônico Nelson Mandela10 como presidente: “Qualquer libertação que não resulte em emancipação da mulher não será mais do que sombra do que poderia, de outra maneira, ser verdadeira libertação.”[2]

Texto 3:

No Brasil as mulheres sofrem das sequelas deixadas pela desigualdade de gênero. As mulheres ainda são as que possuem menos acesso à educação, à cargos no mercado de trabalho formal – sobretudo cargos de liderança, à espaços de poder e de representação e consequentemente são as que mais sofrem com a falta de legislações e políticas públicas pensadas para resolver demandas e problemas das mulheres.  A desigualdade também se reflete na violência contra as mulheres. Segundo dados da Fundação Perseu Abramo, uma em cada cinco mulheres brasileiras, consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”.[3]

Dinâmica utilizada:

  • O grupo deve estar disposto em roda, de modo que todos consigam se ver. A pessoa que coordena a dinâmica também deve fazer parte da roda, para que a conversa siga de maneira horizontal;
  • Devem ser entregues folhas de papel contendo os três textos para todos os participantes. Nesse primeiro momento, deve-se dar entre 10 e 15 minutos para que todos possam fazer a leitura. Caso haja analfabetos, é interessante que a leitura seja feita em voz alta;
  • Feita a leitura, a pessoa encarregada deve questionar os participantes sobre quais suas opiniões quanto aos trechos lidos. Nesse momento, o coordenador deve se atentar para três pontos principais:
    • primeiro, é importante que a discussão gire em torno de questionamentos sobre desigualdade de gênero, e o coordenador deve corrigir qualquer desvio de assunto;
    • segundo, o coordenador deve se atentar para nortear a discussão a partir das experiências pessoais dos presentes, para que ela não fique muito abstrata (é importante que os participantes consigam entender o assunto na prática de suas vidas cotidianas);
    • por fim, por se tratar de atividade introdutória, a ideia é que haja reflexões livres, e portanto sem a necessidade de outros aportes teóricos.

Esta etapa deve durar aproximadamente 30 minutos;

  • Deve-se criar então um mapa mental com ideias e palavras-chave trazidas durante a discussão. A ideia é que cada um coloque ao menos uma frase ou ideia no mapa mental, e que ele possa ficar visível para todos os presentes durante todo o tempo restante da dinâmica. Para a construção do mapa mental pode ser usada uma cartolina (que pode ficar no meio do círculo), uma lousa, ou ainda em um ambiente virtual que permita a construção de um quadro branco (como o Miro: https://miro.com/pt/). Esta etapa pode durar aproximadamente 20 minutos, mas o tempo necessário irá depender da quantidade de participantes presentes;
  • A etapa seguinte visa apresentar aos participantes o que foi criado. O coordenador deve concluir com uma fala que leva em conta os posicionamentos e reflexões pessoais trazidos pelos presentes (entre 10 e 15 minutos).

Atividade 2: Violência de gênero

Descrição da atividade: Esta atividade aborda a ideia de violência de gênero, as maneiras como ela pode aparecer e dá ideias de como fazer denúncias e ajudar mulheres passando por estas situações. Ela pode ser feita de maneira conjunta à Atividade 1, como dinâmica de continuidade da Atividade 1, ou como atividade autônoma.

É importante notar que esta atividade também parte de experiências pessoais e, por isso, algumas participantes podem perceber, no decorrer da dinâmica, que estão passando por situação de violência. Por isso, é necessário ter cautela.

Objetivos: Apresentar os tipos de violência pelos quais a mulher pode passar, de modo a fazer os presentes perceberem como ela opera e de que maneiras ela pode aparecer. Esta dinâmica leva em conta as experiências pessoais e vivências dos participantes.

Previsão de desenvolvimento: Entre 1h30 e 2h.

Recursos necessários: Apresentação de textos impressos ou on-line. Se houver possibilidade, recursos multimídia para a apresentação de cenas de um filme.

Textos a serem trabalhados:

Texto 1:

Texto 2:

Em 2023, pelos menos 586 mulheres foram vítimas de feminicídio, mortas em razão do gênero. Os dados abrangem oito estados brasileiros: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará, Piauí, Maranhão e Ceará. Isso corresponde a um caso a cada 15 horas.[4]

Texto 3:

Em 2023, uma média de 245 brasileiras ligaram diariamente para a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 para relatar algum tipo de violência no Brasil. Até outubro deste ano, foram 461.994 ligações registradas. Delas, 74.584 relatavam algum tipo de violência contra mulheres. Em 2022, o número era de 73.685 contatos. Os dados são do Ministério das Mulheres. Das ocorrências mapeadas, 51.941 foram feitas pela própria mulher em situação de violência. Os números mostram, ainda, que mulheres negras são as principais vítimas dos casos, com 31.931 registros contabilizados.

Na qualificação por tipo de violência, as violências psicológicas aparecem em 1º lugar e somam 72.993 ocorrências. Na sequência, vem as violências físicas, com 55.524 casos; as patrimoniais, com 12.744; e as sexuais, com 6.669.[5]

Audiovisual a ser trabalhado:

Cena do filme “História de um casamento”.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lprJ3LAvFbI

Cenas da novela “Mulheres Apaixonadas”

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HOoORjmL59g

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4v18XbbDGvY

Dinâmica utilizada:

  • O grupo deve estar disposto em roda, de modo que todos consigam se ver. A pessoa que coordena a dinâmica também deve fazer parte da roda, para que a conversa siga de maneira horizontal;
  • O grupo deve receber, de forma on-line ou impressa, a cartilha “Direitos das Mulheres”, organizada pelo Instituto Nelson Wilians. A primeira coisa a ser feita é a explicação da Cartilha, contando aos participantes por que ela foi construída e quais seus objetivos. Este ponto deve ter aproximadamente 10 minutos;
  • O coordenador deve pedir aos participantes que abram na página da cartilha que contém o ponto “ Quais são os tipos de violência?”. Ao mesmo tempo, deve-se passar aos participantes os textos 2 e 3. Estes três textos devem ser lidos em conjunto. A ideia é que eles tenham entre 15 e 20 minutos para fazer a leitura dos três textos recomendados. Caso haja analfabetos, é interessante que a leitura seja feita em voz alta;
  • A seguir, o coordenador deve fazer uma fala a respeito da violência contra a mulher para nortear a discussão que será feita. Ele deve dar um panorama geral sobre todos os tipos de violência e falar sobre como as vítimas devem ser acolhidas. O acolhimento das vítimas deve ser o tom geral da discussão que se seguirá, já que algumas pessoas podem perceber a partir disso que são vítimas de violência. Isto deve durar aproximadamente 10 minutos;
  • Se houver recurso audiovisual possível, o coordenador deve então apresentar aos participantes um ou dois vídeos. É possível escolher entre uma cena de “História de um casamento” e duas cenas da novela “Mulheres apaixonadas”. Esta etapa deve durar em torno de 10 minutos;
  • O coordenador deve então abrir espaço para que os participantes falem, em reflexões livres, sobre o tema. As falas dos participantes devem ser feitas a partir de suas experiências pessoais ou de exemplos fictícios, com o cuidado de não se falar de experiências de outras pessoas (para que as vivências e histórias de outras pessoas que não estão presentes sejam respeitadas). Esta etapa deve ser feita como uma discussão, com o coordenador organizando as falas e tomando a frente caso seja necessário. A discussão deve ter em torno de 30 minutos;
  • Depois da discussão, o coordenador deve apresentar aos participantes os pontos “ Como denunciar?”, “9. Fiz a denúncia, e agora?” e “10. Conheço uma mulher que está sendo vítima de violência: o que fazer?” da cartilha de “Direitos das Mulheres”. Ele deve fazer uma fala sobre a importância da denúncia e de como ela pode ser feita. Os participantes devem ser instruídos a ler esta parte da cartilha em casa. Esta etapa leva em torno de 15 a 20 minutos;
  • Para concluir, o coordenador deve abrir um novo espaço de discussão para que os participantes possam apresentar dúvidas e eventuais questões quanto ao que foi exposto durante a dinâmica. A etapa final deve durar em torno de 20 minutos.

Para se aprofundar no tema

  • Curso On-line

Curso de Extensão – Formação em Gênero e Raça para a Defesa dos Direitos das Mulheres

Edepe – Escola da Defensoria Pública de São Paulo

Disponível em: https://www.youtube.com/live/d7Rv_1aZqps?feature=shared

  • Podcast

Podcast Mulheres e Justiça

Disponível em: https://cultspplay.com.br/serie/podcast-cultura-em-casa/podcast-mulheres-e-justica/

  • Divulgação de direitos

Livro “Justiça para todas: O que toda mulher deve saber para garantir seus direitos” – Autora: Fayda Belo

  • Literatura

“Um teto todo seu” – Autora: Virginia Woolf

Referências:

[1] “Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher” do CEDAW/ONU. Disponível em inglês em: https://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/text/econvention.htm#intro (sem tradução em português).

[2] Pimentel, Silvia. Convenções de direitos humanos sobre direitos da mulher. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/527/edicao-1/convencoes-de-direitos-humanos-sobre-direitos-da-mulher-.

[3] Cartilha “Diretos das Mulheres” do Instituto Nelson Wilians.

[4] Cambraia, Duda. A cada 15 horas, uma mulher é vítima de feminicídio no país, diz pesquisa. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/a-cada-15-horas-uma-mulher-e-vitima-de-feminicidio-no-pais-diz-pesquisa/#:~:text=Em%202023%2C%20pelos%20menos%20586,%2C%20Piau%C3%AD%2C%20Maranh%C3%A3o%20e%20Cear%C3%A1

[5] Brasil tem 245 registros de violência contra a mulher por dia. Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/brasil-tem-245-registros-de-violencia-contra-a-mulher-por-dia/#:~:text=Segundo%20dados%20do%20Ligue%20180,sexual%20at%C3%A9%20outubro%20de%202023&text=Em%202023%2C%20uma%20m%C3%A9dia%20de,tipo%20de%20viol%C3%AAncia%20no%20Brasil.