Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Conversar sobre o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes exige uma certa dose de coragem mesmo diante do desconforto de expor essas mazelas ainda existentes na sociedade humana.

O conceito do abuso sexual é “ato praticado por adultos (homens ou mulheres) contra crianças ou adolescentes, que tenha por objetivo a estimulação sexual das vítimas ou a satisfação sexual do próprio abusador.”[1]

O envolvimento de crianças e adolescentes em práticas sexuais às quais não possuem condições de maturidade, quer seja biológica, quer seja psicológica, torna-se impossível o consentimento consciente da atividade sexual. Trata-se de uma situação emocionalmente prejudicial e, em geral, acompanhada por outros tipos de maus tratos.

A diferença entre o abuso e a exploração sexual é que esta última visa lucro por parte do abusador, como por exemplo, o aliciamento, produção de fotos e vídeos, entre outros.

Esta situação está presente em todos os meios socioeconômicos, religiosos, étnicos e culturais. “No abuso sexual, as crianças e adolescentes são despertados para o sexo precocemente, de maneira deturpada. São desrespeitados, os seus direitos são violados, e o pior: na maioria das vezes, por quem tem a obrigação de protegê-las. O abuso sexual fornece à vítima informações errôneas sobre sexo e sobre a sexualidade, além de ser uma relação que envolve poder e conhecimento desiguais.”[2]

As estatísticas nacionais mostram que em sua maioria, as vítimas de abuso e exploração sexual infantil são meninas, de idade menor ou igual 13 anos. Entretanto, é necessário destacar que atualmente a idade do consentimento é de 14 anos. Esse recorte é, no mínimo, curioso, uma vez que ao observar-se o ordenamento pátrio como um todo a capacidade civil plena se dá aos 18 anos, enquanto a incapacidade civil relativa, se dá aos 16 anos. Inclusive, a emancipação é possível tão somente a partir dos 16 anos.

A idade de 16 anos foi escolhida pela justificativa de maturidade psicológica de sobrepesar as consequências e complexidades das ações envolvidas em atos da vida civil.

Ora, por que para esta questão tão importante que exige maturidade biológica e psicológica como o consentimento sexual é de 14 anos? O que alicerça, de fato este apontamento?

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública apenas em 2019 separou os crimes de estupro, expondo os de vulneráveis e apresentou que 53,8% desta violência era contra meninas com menos de 13 anos.

Esse número sobe para 57,9% em 2020 e 58,8% em 2021. “Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número sobe de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3%, foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).”[3]

Como seriam as estatísticas se a idade do consentimento fosse aos 16 anos?

Apesar de saber que há décadas este assunto vem ampliando sua atenção na sociedade, as estatísticas ainda são um ponto nevrálgico no estudo para a propositura de ações públicas devido à subnotificação. Quer seja pelo caráter de exposição e censura social (tabu), quer pelo desconhecimento da população.

O dia 18 de maio foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – Lei n.º 9970/00. A escolha se deve ao assassinato de Araceli, uma menina de oito anos que foi drogada, estuprada e morta, no dia 18 de maio de 1973, em Vitória/ES. Esse crime, apesar de sua natureza hedionda, não foi solucionado.

Aqui mais um ponto para a reflexão – qual a mensagem que é transmitida ao reconhecer este dia, como um dia de luta, mas diante de um crime jamais punido? Como é entendido pelos abusadores?

COMO IDENTIFICAR SE HÁ ABUSO E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Pode-se separar os abusos sexuais em dois grupos:

  1. Extrafamiliar– ocorre fora do meio familiar, sendo praticado por alguém que a criança conhece pouco – vizinhos, médicos, religiosos – ou por uma pessoa totalmente desconhecida. Normalmente envolve exploração sexual e pornografia. Essa situação também ocorre em instituições encarregadas de cuidar e proteger crianças e adolescentes, assim como naquelas que têm por objetivo executar as medidas socioeducativas aplicadas aos jovens;
  2. Intrafamiliar– é aquele que ocorre no contexto doméstico ou envolve pessoas próximas ou cuidadoras da vítima. E aqui a atividade sexual nem sempre envolve a força física e as vítimas frequentemente são subornadas e coagidas ao ato sexual.

Muitas vezes, crianças e adolescentes demonstram, nem sempre verbalmente, que estão em situação de perigo. Os resultados do abuso podem surgir a curto e a longo prazo, com formas diferenciadas de acordo com a idade da vítima. É importante o conhecimento das diferentes fases do desenvolvimento infantil a fim de distinguir um sinal de maus-tratos de um comportamento que seja próprio da sexualidade infantil.

Uma das áreas de apoio para identificação é a área da saúde que pode observar a ocorrência de algum tipo de violência física ou psicológica, tais como:

  • contusões, principalmente na face, lábios, nádegas, braços e dorso;
  • lesões que reproduzam a forma do objeto agressor (fivelas, cintos, dedos, mordedura);
  • hematomas no tronco, dorso e nádegas, indicando datas diferentes da agressão;
  • alopecia resultante de arrancamento brutal e repetido dos cabelos;
  • queimaduras no dorso e genitais, com marcas do objeto (cigarro, por exemplo);
  • lesões dentro da boca ocasionadas por laceração do freio da língua por tentativa de introdução forçada de alimentos;
  • faces de boxeador, por traumatismo facial;
  • fraturas múltiplas – ossos longos em diferentes estágios de consolidação, secundarias à torção com sacudidelas violentas, com rápida aceleração-desaceleração;
  • fraturas de costelas em menores de dois anos;
  • fraturas de crânio ou traumatismo craniano por choque direto ou sacudidas vigorosas (síndrome do bebê sacudido), concomitantes com edema cerebral, hematoma subdural e hemorragia retiniana, podendo também manifestar-se por convulsões, vômitos, cianose, apneia e alterações de déficit motor;
  • lesões na área genital e períneo;
  • observar presença de dor, sangramento, infecções, corrimento, hematomas, cicatrizes, irritações, erosões, assaduras, fissuras anais, hemorroidas, entre outras.

Já do ponto de vista psicológico e comportamental:

  • aversão ao contato físico, apatia ou avidez afetiva;
  • transtorno do sono ou da alimentação;
  • conduta agressiva e irritabilidade;
  • interesse precoce em brincadeiras sexuais ou conduta sedutora;
  • choro fácil sem motivo aparente;
  • comportamento regressivo, autodestrutivo e/ou submisso;
  • desenho ou brincadeiras que sugerem violência;
  • baixo nível de desempenho escolar;
  • fugas, mentiras, furto;
  • tentativa de suicídio;
  • fadiga;
  • baixa autoestima;
  • aversão a qualquer atividade de conotação sexual.[4]

PERFIL DO ABUSADOR

Abusar sexualmente de uma criança ou de um adolescente não é um atributo exclusivo de jovens e adultos do sexo masculino. Mulheres e até mesmo crianças maiores podem assumir o papel de abusador.

As principais características observadas nessas pessoas são:

  • A maioria já sofreu abuso sexual quando criança;
  • Apresentam dificuldades relativas à sexualidade;
  • São, geralmente, pessoas acima de qualquer suspeita, não havendo, aparentemente, nada em seu comportamento que chame a atenção. São amáveis em sua maioria e até mesmo sedutoras;
  • Podem conquistar a vítima com presentes, elogios, dinheiro.[5]

CONDUTAS PREVISTAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL RELACIONADAS AO ABUSO E EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

CÓDIGO PENAL

  • Assédio Sexual Art. 216-A./ Pena: detenção, de 1 a 2 anos. / § 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 anos.
  • Da exposição da intimidade sexual Art. 216-B./ Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
  • Estupro de vulnerável Art. 217-A. / Pena: reclusão, de 8 a 15 anos.
  • Do uso de menor vulnerável para servir a lascívia de outrem Art. 218 – Pena: reclusão, de 2 a 5 anos.
  • Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente Art. 218-A. /Pena: reclusão, de 2 a 4 anos.
  • Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável Art. 218-B. /Pena: reclusão, de 4 a 10 anos.
  • Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia Art. 218-C. /Pena: reclusão /Pena: reclusão, de 3 a 6 anos, e multa.

Atualmente, são considerados hediondos, dentre os crimes sexuais contra crianças e adolescentes, apenas o estupro de vulnerável e o favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. Por ser hediondo/equiparados no caso de regime de progressão, o apenado terá direito a progressão após o cumprimento de 40% da pena.

ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTES – ECA

  • Art. 240 /Pena: reclusão, de 4 a 8 anos, e multa.
  • Art. 241 /Pena: reclusão, de 4 a 8 anos, e multa.
  • Art. 241-B /Pena: reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.
  • Art. 241-C /Pena: reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
  • Art. 241-D /Pena: reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
  • Art. 244-A /Pena: reclusão de quatro a dez anos e multa, além da perda de bens e valores utilizados na prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da unidade da Federação (Estado ou Distrito Federal) em que foi cometido o crime, ressalvado o direito de terceiro de boa-fé.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A falta de dados e de subnotificação é uma realidade.

A pergunta crucial é por qual motivo, então, não se fala aberta e diariamente sobre isso?

Por que não há uma ampla discussão sobre a idade do consentimento que poderá revelar uma ferida ainda maior na sociedade? Por que a pena base é pouco discutida? Por que aceitar a impunidade subliminarmente imposta pela data de incentivo a luta contra ao abuso e exploração infantil?

As respostas para estas perguntas podem ser justificadas por se tratar de uma violência estrutural, que precisa entrar na pauta da sociedade. Mesmo que a legislação atual garanta alguma proteção, é imprescindível romper o silêncio, pois só as vozes de todos pode provocar consciência e impulsionar a discussão para construção de políticas públicas capazes de mudar esta realidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022.

Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario- 2022. Acessada em 20 de abril de 2023.

  • Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022.

Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf. Acessada em 20 de abril de 2023.

  • Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022.

Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/13-anuario-2022-maus-tratos-entre-criancas-e-adolescentes-perfil-inedito-das-vitimas-e-circunstancias-desse-crime-no-brasil.pdf. Acessada em 20 de abril de 2023.

  • Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022.

Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/12-anuario-2022-as-violencias-contra-criancas-e-adolescentes-no-brasil.pdf. Acessada em 20 de abril de 2023.

  • Violência intrafamiliar Orientações para a prática em serviço Cadernos de Atenção Básica Nº 8 Série A – Normas e Manuais Técnicos; nº 131 –

Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_19.pdf. Acessado em 22 de abril de 2023

  • Cartilha sobre Violência Sexual contra Criança e Adolescente.

Disponível em:https://www.policiacivil.sp.gov.br/portal/imagens/Cartilha%20Violencia%20Sexual.pdf. Acessado em 22 de abril de 2023

  • Cordeiro, Flávia de Araújo. Aprendendo a prevenir: orientações para o combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes – Brasília: Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, 2006. Violência contra menor, Brasil 2. Abuso sexual, legislação, Brasil 3. Legislação de menores, Brasil

Disponível em:https://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/imprensa/cartilhas/cartilha_aprendendo_a_prevenir.pdf.

Acessado em 22 de abril de 2023


[1] https://www.policiacivil.sp.gov.br/portal/imagens/Cartilha%20Violencia%20Sexual.pdf

[2] https://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/imprensa/cartilhas/cartilha_aprendendo_a_prevenir.pdf

[3] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf

[4] https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_19.pdf

[5] https://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/imprensa/cartilhas/cartilha_aprendendo_a_prevenir.pdf