A luta pelo respeito e equidade da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Artigo escrito por Dr. Arthur Pimentel Diogo (Advogado e Sócio da filial NWADV RJ) e Dra. Samira Frutuoso Abdallah (Advogada do NWADV SP), ambos membros do Comitê INW.

A data de 25 de julho é muito significativa. Esse dia foi escolhido para lançar luz às desigualdades de gênero e raça sobre a perspectiva de mulheres negras latino-americanas e do Caribe, tendo em vista a ocorrência da desapropriação de sua voz, de seu lugar e de sua função. Simboliza, ainda, um marco dos debates de gênero na América Latina e no Caribe.

No âmbito internacional, refere-se ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, definida por um Congresso de Mulheres reunidas em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992, e devidamente reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas). Já no Brasil, serve para recordar a liderança de Tereza de Benguela, quilombola que resistiu bravamente à escravidão, bem como o Dia da Mulher Negra[1], instituída pela Lei nº 12.987/2014[2].

Tereza viveu no século XVIII e era casada com José Piolho, chefe do Quilombo do Piolho, o maior do Estado do Mato Grosso. Com a morte de Piolho, Tereza tornou-se líder do quilombo e foi a maior liderança da comunidade negra e indígena, que resistiu bravamente à escravidão por 20 anos. Rainha Tereza, como era conhecida, comandava toda a estrutura administrativa, político e administrativa do quilombo. Morreu sem sabermos ao certo o motivo. Uma linha da história diz que se suicidou após ser capturada por bandeirantes em 1770. Outra, sustenta que foi assinada e teve a cabeça exposta no centro do quilombo.

Ao citarmos exemplo de Tereza , podemos perceber que muito mais do que manter a resistência diária e contínua para estabelecer direitos mínimos, ela é um exemplo de legado de articulação de mulheres negras, que tanto lutam para ter os mesmos direitos nas esferas políticas, sociais e de expressão na sociedade, pois levaram suas vozes a espaços de poder, além de ampliar o debate sobre gênero. Há séculos, brigam, respeitam, valorizam e mantém viva a tradição e cultura de seus ancestrais, procurando extirpar estereótipos enraizados na cultura atual baseada no patriarcado etnocêntrico e acabar com o racismo estrutural tão presente até hoje.

Nos dizeres de Angela Davis, filósofa, escritora, professora e ativista estadunidense, que luta desde a década de 1960 pelos direitos da população negra e das mulheres nos Estados Unidos[3]: ““Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”[4].Nessa passagem Davi sintetiza exatamente o que precisa ser modificado na sociedade para que haja mais oportunidades e, assim, desenvolver a economia como um todo, gerando mais trabalho e liberdade econômica.

Aliás, foram as mulheres negras as protagonistas das lutas  por mudanças sociais, políticas e econômicas.  Além das mulheres que anônimas para nós, conhecemos grandes nomes de personalidades como Aqualtune (além de Princesa do Congo, é avó de Zumbi dos Palmares), Virginia Brindis de Sala (ativista e escritora uruguaia), Sara Gomez (diretora de cinema e jornalista cubana), Maria Remédios Del Valle (militar argentina), Carolina Maria de Jesus (escritora brasileira), Lélia Gonzalez (política, antropóloga e parlamentar brasileira), Antonieta de Barros (jornalista e política brasileira), Leci Brandão (cantora, compositora e política brasileira), Benedita da Silva (professora e parlamentar), Marielle Franco (socióloga e política brasileira), entre outras.

Para ilustrar algumas, as obras de Virginia de Sala tratam da cultura e dos costumes da população negra e denuncia o racismo no Uruguai. Morreu em 1958 e, em 2012, recebeu o título de “Personagem Afro-uruguaia” pelo governo local.

Maria Remédios Del Valle, nascida em 1776, em Buenos Aires e considerada  pelos argentinos como “mãe da pátria”, foi combatente na Guerra da Independência Argentina. Após a independência do país, ficou sem amparo e sem nenhuma assistência. Faleceu em 8 de novembro de 1847 e, em memória à sua morte, o dia 08 de novembro foi definido como dia dos Afro-argentinos, em 2013.

Já Carolina de Jesus foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil e uma das mais relevantes para a literatura.  Nascida em uma comunidade rural no interior de Minas Gerais em 1914, filha de pais analfabetos, foi maltratada na infância e, apesar de todas as dificuldades, frequentou a escola, e aprendeu a ler e escrever. Na fase adulta, chegou a morar na favela do Canindé, na cidade de São Paulo, era catadora de lixo e, nas poucas horas vagas, escrevia sobre o difícil cotidiano em cadernos que encontrava no lixo. Foi autora de um best-seller vendido em 40 países e traduzido para 16 idiomas: Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada, em 1960.

Todas essas indicações trazem uma ancestralidade guerreira, potente em saber, força para seguir em frente e ao direito à vida, ainda mais fundamental em tempos de COVID-19, vez que as políticas públicas continuam se mostrando inadequadas e insuficientes, sendo que as estatísticas no Brasil demonstram a desigualdade existente entre mulheres negras, latino-americanas e caribenhas, principalmente do mercado de trabalho.

Conforme dados extraídos da FACAMP (Faculdades de Campinas)[5], através do Boletim Mulheres Negras, que tem como objetivo analisar os dados relativos à inserção das mulheres negras no mercado de trabalho, , demonstra o crescimento do desemprego, sendo a maioria na desocupação, na subocupação e na subutilização da força de trabalho em comparação aos demais grupos considerados nessa pesquisa, como homens negros e mulheres e homens brancos.

Além dessa discrepância, a pesquisa demonstrou que o trabalho doméstico se mostra tipicamente feminino e negro, com um alto número de trabalhadoras sem carteira profissional assinada. Não bastasse tudo isso, existe o fator da remuneração das mulheres negras que sempre foi inferior aos demais grupos, mesmo com o aumento da escolaridade ou do cargo ocupado.

Nesse sentido, vale a leitura minuciosa da pesquisa realizada no período do primeiro trimestre de 2021, já que o fator da pandemia agravou uma situação que não era das melhores. O que precisa ser feito para modificar tudo isso é a busca pela equidade, para que haja novas concepções de organização. Além disso, é imperioso iniciar o processo de igualdade de gênero no acesso, remuneração e permanência no mercado de trabalho.

 Um trabalho de conscientização sobre os problemas enfrentados pelas mulheres negras é realizado de forma habitual pelo Instituto Nelson Wilians, que desenvolve o Projeto Compartilhando Direito para estimular a tomada de consciência do público das organizações sociais, como jovens, mulheres e educadores sobre seus direitos fundamentais a fim de estimular a informação e propagar o conhecimento.

Nesse mesmo projeto são trazidos temas como o Direito da Mulher e a Diversidade Étnico-racial, principalmente de mulheres negras, pois são um alvo constante de violência, como a doméstica, psicológica, física, sexual, patrimonial e moral.

O propósito é trazer à tona o Empoderamento Feminino – Poder de participação social às mulheres, garantindo que possam estar cientes sobre a luta pelos seus direitos; Autonomia financeira, reconhecimento das mulheres no mercado de trabalho, salários iguais; Crescimento e fortalecimento das mulheres em todas as esferas da sociedade- para o combate à violência e consiste, basicamente, em dispor sobre o que deve ser feito e como perceber que isso está ocorrendo, ou seja, é um acolhimento e indicação de como tratar dessa conduta totalmente absurda, com informações de locais para denunciar, procurar atendimento social e psicológico, assim como orientação jurídica em diversos estados brasileiros.

 Sem dúvida, o maior legado que essas mulheres deixaram é a luta e conquista por direitos, que impacta até hoje gerações de meninas e mulheres que ainda precisam dar continuidade à essa luta. Males que duram até hoje, mas, graças à luta e trabalho dessas mulheres, temos um caminho, ainda que tortuoso, de esperança e  continuidade do propósito de buscar uma sociedade  mais justa e menos desigual.


[1] https://www.brasildefato.com.br/2021/07/27/artigo-rainha-negra-no-pantanal-conheca-a-historia-de-tereza-de-benguela

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12987.htm

[3] https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/angela-davis.htm

[4] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/27/politica/1501114503_610956.html

[5] https://www.facamp.com.br/pesquisa/economia/npegen/mulheres-negras-no-mercado-de-trabalho/boletim-mulheres-negras-no-mercado-de-trabalho-1o-trimestre-de-2021/